“Quem foi que disse que uma mulher não pode erguer muros, misturar cimento, subir em andaimes e construir um futuro melhor? Para mim, ninguém disse isso.” É com essa fala de Bia Kern, fundadora da ONG Mulher em Construção, que Camila Alhadeff, responsável pelo marketing e captação de recursos da organização, conta como surgiu essa iniciativa transformadora.
Desde 2006, ano em que o projeto piloto foi implementado em Canoas, no Rio Grande do Sul, já foram impactadas diretamente mais de 5 mil mulheres e outras 20 mil pessoas de forma indireta. Para o segundo semestre de 2021, o projeto expandirá suas atividades para a cidade de São Paulo com o apoio da Magazine Luiza.
“Capacitamos as mulheres para a vida, levando em conta todos os aspectos como emocional, teórico e prático. Ensinamos a elas que podem fazer suas próprias escolhas e ter mais autonomia, além de segurança financeira por meio de uma nova profissão”, conta Camila Alhadeff.
Em entrevista ao Movimento Mulher 360, a executiva fala sobre como estão superando os desafios impostos pela pandemia, dá dicas para as profissionais que estão em uma área predominantemente masculina e de que forma as empresas podem contribuir para o desenvolvimento econômico de mais mulheres ao apoiarem o trabalho da organização. Confira.
MM360 – Como surgiu a Mulher em Construção?
A ONG foi criada a partir de um projeto piloto implementado em 2006, no município de Canoas (RS), por Bia Kern. Aqui, vale citar suas palavras: “Quem foi que disse que uma mulher não pode erguer muros, misturar cimento, subir em andaimes e construir um futuro melhor? Para mim, ninguém disse isso. Ao contrário, eu sempre ouvi da minha mãe, Dona Diva, que a mulher precisa ser independente e batalhadora, sem deixar de ser parceira do homem. No lar, junto com três irmãos e três irmãs, aprendi que ‘não tem coisa de homem’ nem ‘coisa de mulher’. Todo mundo pode e deve lutar pela sua felicidade, de preferência unido, sem disputa ou concorrência.”
A partir desta motivação, mesmo sem conhecimento na área, Bia teve a iniciativa de firmar parceria com professores voluntários e empresas ligadas à construção civil para ensinar técnicas de pintura predial e texturas para mulheres.
O sucesso da iniciativa levou à formação da instituição Mulher em Construção que, de lá para cá, já atendeu mais de 5.000 mulheres diretamente com cursos e oficinas gratuitas de capacitação e mais de 20.000 pessoas de forma indireta. Desde então, disseminamos nossa metodologia em parceria com diversos órgãos públicos e empresas que reconhecem a importância do projeto e apostam na inserção feminina na construção civil devido ao seu grande potencial produtivo e de organização.
MM360 – De que maneira os cursos e programas oferecidos têm impactado a vida das mulheres?
Fazemos o acompanhamento das nossas alunas e de alguns indicadores de impacto social como geração de renda, empregabilidade e mudanças de comportamento. Tratamos as mulheres de forma holística, cuidando para que elas se tornem mais seguras e independentes emocionalmente e financeiramente.
Nossos treinamentos, por exemplo, incluem a leitura e a interpretação de planta baixa, empreendedorismo e cooperativismo, além do desenvolvimento de pensamento crítico com relação à temas como sexualidade, autoestima, empoderamento, sustentabilidade e relações interpessoais no local de trabalho.
40% delas recebe uma proposta de trabalho antes da conclusão do curso, e isso é maravilhoso! Afinal, uma mulher que é dona da sua renda muda sua família, sua posição na sociedade, se empodera e transforma todos a sua volta.
MM360 – As formações estão acontecendo mesmo durante a pandemia?
Durante a pandemia, tivemos que nos reinventar e oferecer a elas treinamentos on-line e entrega de cestas básicas. Fizemos uma campanha de arrecadação para ajudar 250 mulheres chefes de família que estavam em situação de extrema vulnerabilidade. Graças ao apoio de empresas e pessoas físicas, a campanha foi um sucesso.
Estamos nos preparando para começar no segundo semestre de 2021 capacitação para 60 moradoras do Jardim Ibirapuera, com o apoio da Magazine Luiza. Será a nossa estreia em São Paulo. Apesar de muito animadas, estamos indo com muita cautela por causa do momento atual.
MM360 – Qual é o maior diferencial da ONG com relação a outros projetos que contribuem para a profissionalização e inserção das mulheres no mercado de trabalho?
A Mulher em Construção capacita as mulheres para a vida, levando em conta todos os aspectos como emocional, teórico e prático. Ensinamos a elas que podem fazer suas próprias escolhas e ter mais autonomia, além de segurança financeira por meio de uma nova profissão. E que podem, sim, ter uma carreira na área da construção civil. Fazemos o acompanhamento delas por no mínimo dois anos, sempre com um olhar atento, e promovendo oportunidades para que possam aprender cada vez mais.
MM360 – Que conselhos você dá para as profissionais que estão ingressando ou já atuam em áreas majoritariamente masculinas com relação ao preconceito que, infelizmente, ainda existe?
Acredite em você. Procure histórias parecidas com a sua, e se inspire nelas. Todas nós passamos por muitos obstáculos, mas continuamos no caminho. Esteja sempre aprendendo e ciente dos seus direitos e deveres. Juntas já conquistamos muitas coisas, mas a jornada ainda é longa. Monte sua rede de apoio, uma amiga, prima, colega de trabalho e vamos em frente! É a tal da sororidade. Mulher apoia mulher, sim!
MM3600 – Como as empresas podem se tornar parceiras da ONG?
É imprescindível termos o apoio das empresas para que as mudanças ocorram em todas as esferas. Seja dentro de casa, do trabalho, nas relações.
Temos alguns modelos de parceria como o Selo Rosa, que é um grupo de organizações que se identifica com a nossa missão e nos apoia como parceira mantenedora. Firmamos um compromisso com a mudança das políticas de gênero e equidade, e o trabalho é feito em conjunto.
Há também a opção de Parcerias de Capacitação. Esta é uma maneira muito especial de ajudar as mulheres a mudarem suas vidas, já que possibilita a realização de oficinas de ensino de pintura, alvenaria, hidráulica, elétrica, dentre outras especialidades.
Normalmente, somos muito procuradas no mês de março por conta do mês da mulher. Mas, o que gostaríamos mesmo, é lançar um desafio para o mundo empresarial, já que somos mulheres 365 dias do ano, e precisamos trabalhar sempre esta temática. Infelizmente temos números assustadores de feminicídio e estupros no País, e precisamos falar sobre isso todos os dias! Acreditamos que por meio da educação, geração de renda e estrutura emocional, conseguiremos ajudar muitas mulheres a saírem de situações abusivas.