Empresas que integram o conceito da interseccionalidade em suas políticas de equidade são mais diversas e inclusivas. No entanto, esse ainda não é um termo totalmente absorvido pelo mercado corporativo.
Usado pela primeira vez em 1989, pela jurista norte-americana Kimberlé Crenshaw, trata-se da compreensão de como as identidades sociais (como gênero, raça, etnia, classe social, religião, orientação sexual e identidade de gênero) se sobrepõem umas às outras e com sistemas de poder que podem oprimir e beneficiar as pessoas no local de trabalho e, também, na sociedade.
A disparidade salarial analisada pelo recorte de gênero, por exemplo, revela barreiras maiores para a igualdade de pagamento para mulheres negras em comparação a mulheres brancas. Quando se analisa o salário de um homem branco com o de uma mulher negra, na mesma profissão, ele chega a ganhar mais que o dobro do salário dela. É o que aponta uma pesquisa do Insper, divulgada recentemente. Esses dados mostram como o racismo e o sexismo interagem para criar desigualdades únicas.
A diretora de pesquisa da Catalyst, Corin Ramos, responde a seis perguntas sobre o tema em artigo publicado no blog da organização, e dá dicas para que os líderes possam reduzir as desigualdades no ambiente de trabalho pelo olhar da intersecção.
Confira.
Por que líderes devem se preocupar com a interseccionalidade? Uma vez que todos enfrentam desafios em suas vidas com base em suas identidades, isso não significa que somos todos interseccionais em nossos próprios caminhos?
Focar na identidade é uma maneira simplificada de olhar para ela. Você pode ter múltiplas identidades, mas a diferença é como essas identidades são afetadas pelo racismo ou preconceito institucional profundamente enraizados.
Muitas vezes as pessoas pensam na interseccionalidade como apenas uma intersecção de gênero e raça. Elas se esquecem de coisas como sexualidade, habilidade, idade, status de imigração – todas essas identidades diferentes que podem interagir e estão sujeitas a sistemas de poder que privilegiam certas pessoas em detrimento de outras. Os líderes devem trabalhar para desfazer esses sistemas opressivos de poder.
Qual é a carga emocional que as pessoas negras sofrem quando as empresas deixam de abordar identidades intersetoriais no local de trabalho?
É sobre se sentir diferente do resto do grupo e estar em guarda contra possíveis preconceitos, além dos riscos para o bem-estar que vem com esse estado. Pessoas com intersecção de raça, etnia, gênero e outros aspectos da identidade são vulneráveis a esses riscos. E quando as identidades, os desafios ou as diferenças únicas não são tratados adequadamente, essas pessoas podem se sentir inseguras no local de trabalho e ter a intenção de deixar o emprego. Isso pode resultar na alta rotatividade e ser um problema para empresas com colaboradores que sofrem de sobrecarga emocional.
Você tem um exemplo de como raça e gênero são abordados de uma forma não interseccional, quando deveria ser o contrário?
Um bom exemplo é a frase “mulheres e pessoas negras”, comumente usada. Quando você diz “mulheres” como categoria separada de “pessoas negras”, está insinuando que está falando apenas de mulheres brancas. Seja direto. Se você está se referindo às “mulheres negras”, use essas palavras. Outro exemplo é quando se referir à comunidade LGBTQ+. Em vez disso, você poderia usar um termo como “QPOC” (pessoas negras queer), que reconhece as diferenças das lutas que o QPOC tem, de membros da comunidade LGBTQ+ brancos. O objetivo é ser o mais preciso possível no seu idioma.
Quais são os passos mais importantes que os líderes podem dar para lidar com as desigualdades no local de trabalho?
Como gerente, o primeiro passo é admitir que você não sabe nada sobre interseccionalidade. Esteja aberto para aprender não apenas sobre identidades, mas também sobre sistemas de poder e como eles afetam as pessoas que têm identidades que se cruzam.
Como líder da empresa, não presuma que você fez tudo o que podia. Se você tem um departamento de diversidade e inclusão, ou se tentou criar um espaço seguro para comunicar questões difíceis, não diga que isso é tudo que pode ser feito. Esse é um processo em andamento. Mesmo que a cultura no local de trabalho tenha mudado, isso significa que você vai parar de se esforçar? Marcar uma data de término em suas iniciativas é um dos maiores erros que os líderes cometem.
Como os líderes podem criar ambientes seguros e que ofereçam apoio para todos os colaboradores?
Muitas vezes, a mudança de cultura vem de cima. Os líderes devem transmitir um senso de segurança psicológica para que os colaboradores se sintam apoiados e bem para correr riscos sem penalidades ou medo de repercussões. Os colaboradores devem ter esse espaço aberto para sugerir novas ideias ou até mesmo discutir tópicos difíceis.
Os líderes também devem se esforçar para criar ambientes seguros, enfrentando suas próprias deficiências de frente. Ao ter conversas difíceis, os líderes naturalmente se sentirão desconfortáveis. Eles não devem permitir que isso afete sua disposição de criar espaços seguros ou de ter conversas francas sobre tópicos importantes. É uma tarefa difícil, mas com grandes riscos, especialmente para pessoas negras.
O que mais você poderia falar sobre o tema?
Muitos dados atuais sobre as mulheres no local de trabalho são sobre mulheres brancas. Precisamos de mais dados sobre mulheres negras e pessoas em uma gama de identidades que se cruzam, como pessoas LGBTQ+ negras, com habilidades diferentes, indivíduos mais velhos. É importante que as empresas usem esse tipo de dado para impulsionar a mudança em suas organizações.
Leia o artigo da Catalyst na íntegra, em inglês: https://bit.ly/2ZL8yjR.