Mais uma semana positiva para os mercados de risco em todo o mundo, especialmente no Brasil, comemorando o retorno de investidores estrangeiros alocando recursos de forma intensa. O quadro internacional favorável e o apetite dos investidores por risco fizeram a diferença.
Para suportar isso dois eventos importantes no plano internacional. De um lado, a liberação emergencial para aplicação de vacinas em diferente; do outro, bancos centrais e governos preocupados com a contaminação pelo Covid-19 na segunda onda, buscando novas alternativas e reforços de instrumentos de política monetária e fiscal.
Aqui, ultrapassado o segundo turno das eleições municipais, o Congresso ficou mais ágil em discussões e votações e pode ainda aprovar alguns itens antes do recesso e virada do ano.
No segmento externo, foi notável a redução da aversão ao risco e apetite por aplicações de maior risco, fazendo com os índices americanos batessem recordes históricos de pontuação (na semana Dow Jones, Nasdaq e S&P). O principal vetor disso foram as autorizações de distribuição e aplicação de vacinas por diversas farmacêuticas, situação que pode ocorrer já na próxima semana no Reino Unido e nos EUA, principalmente. Isso permitiu leitura de queda e a segunda onda deve ser mais branda. Além disso, as economias poderão voltar mais rápido para a normalidade, apesar dos problemas de logística e armazenamento.
Mesmo não fazendo preço para os ativos, os investidores seguiram preocupados com o aumento da contaminação, com recordes de casos em muitos países (EUA e Japão, inclusive) e de óbitos também. Na Itália, por exemplo, em função do recorde de óbitos, o governo proibiu viagens no Natal e no Ano Novo. Enquanto isso, países correm para fechar acordo de fornecimento pela Moderna e Pfizer dentre outros fornecedores, incluindo a Sinovac.
Outra situação que foi relevada pelos investidores se referiu aos acordos pós-Brexit entre o Reino Unido e a União Europeia, com ainda muitos pontos de divergências e a França colocando pressão de eventualmente ser contra, caso não atinja os objetivos do grupo, na sua visão. A expectativa é de desfecho breve, podendo acontecer já no final de semana. Mas isso acabou sendo rebatido com a possibilidade de o BCE (BC europeu) estender as compras de ativos por mais um ano e também com o BOE acatando sugestão de corte de juros e ampliação do QE (quantitative easing). O Japão, do primeiro ministro Suga, deve apresentar um largo pacote de medidas já na próxima semana.
As complicações com a China também não param, com Joe Biden dizendo que irá manter a tarifação imposta por Trump e com a resolução que Trump pode assinar (aprovado no Congresso) banindo algumas empresas do mercado acionário americano, por não se enquadrarem em normas de auditoria. Além disso, não podemos esquecer as pressões diplomáticas americanas sobre a participação da gigante de tecnologia Huawei em concorrências da tecnologia 5G, englobando também o Brasil.
Na semana, os EUA anunciaram que podem estabelecer sanções contra a Turquia por conta de terem comprado misseis da Rússia.
No que tange à transição de governo nos EUA, finalmente Janet Yellen foi confirmada como a nova secretária do Tesouro, e Mnuchin (atual) disse que não imporá barreiras. Biden também anunciou outros nomes que comporão seu governo, aproveitando muitos executivos do governo de Obama (e seu). Brian Deese irá para o Conselho econômico da Casa Branca. Biden, democratas e republicanos retomaram as negociações de pacote fiscal que se encaminha para algo próximo de US$ 900 bilhões, tido por Biden como bom começo, mas insuficiente para a economia americana.
Já a OPEP deve começar a liberar aumento de produção de seus membros em janeiro progressivamente em 500 mil barris dia, visando ordenar o mercado e preços.
Em termos de indicadores econômicos a semana foi marcada pela divulgação de indicadores PMI da atividade de indústria e serviços de novembro, com a Ásia mostrando melhora, e a Europa com indicadores em desaceleração, principalmente Alemanha e zona do euro. No Reino Unido, o PMI industrial subiu para 55,6 pontos, vindo de 53,7 pontos. Na zona do euro, a deflação medida pelo CPI de novembro anual foi de 0,2%. Na Itália, o PIB do terceiro trimestre expandiu 15,9%, mas mostra contração anual de 5,0%. Na Austrália, o PIB cresceu 3,3% no terceiro trimestre e, na Alemanha, as vendas no varejo de outubro com expansão de 2,6%.
A OCDE melhorou sua projeção do PIB global de 2020 para -4,2% (de -4,5%), com os EUA em contração de 3,7%, zona do euro com -7,5%, Índia com -9,9%, África do Sul -8,1% e China positiva em 1,8% (mantida). Já o FMI projeta o PIB do Brasil em queda de 5,8% em 2020, 2021 com +2,8% e 2022 com +2,3%, todos subavaliados, na nossa visão.
Nos EUA, os indicadores PMI vieram melhores e no maior nível desde março de 2015. Os pedidos de auxílio desemprego da semana anterior caiu 75.000 posições para 71.2000 pedidos e pedidos continuados com contração de 59.6000, para 5,5 milhões. O payroll, a criação de vagas nos setores público e privado, caiu para 245.000 vagas criadas, mostrando desaceleração preocupante e a necessidade urgente de pacote fiscal.
A taxa de desemprego encolheu para 6,7%, o déficit na balança comercial foi de US$ 63,1 bilhões em outubro, e as encomendas à indústria em alta de 1,1%. Os dados do Livro Bege não trouxeram grande novidade, mostrando crescimento moderado e também não mexendo com os mercados.
No segmento doméstico, passado o segundo turno da eleição municipal, o Congresso teve um pouco mais de atividade, prometendo destravar a pauta de votações, votar o orçamento, discutir e votar a reforma tributária, mas por enquanto nada de muito concreto, exceto algumas liberações de recursos para setores, visando mitigar os efeitos da pandemia. O ministro Paulo Guedes acha possível desenlace relativamente rápido para destravar a pauta e discutirem a agenda econômica, mas a reforma tributária está sendo usada para barganhas da sucessão da presidência da Câmara.
Sobre isso, os ministros Gilmar e Toffoli, do STF, já se posicionaram como favoráveis à candidatura de Rodrigo Maia e Alcolumbre para a Câmara e o Senado, respectivamente. Arthur Lira perdeu força com a denúncia da PGR de que fazia rachadinha em Alagoas. Se Maia conseguir votar a reforma fiscal, suas chances de reeleição são bem maiores. Já Bolsonaro disse que o país corre risco de apagão depois de estabelecerem bandeira tarifária vermelha nível dois, quer preservar a Amazônia, mas diz que “é nossa” (alguém tem dúvida?), e pode não banir a empresa chinesa Huawei de competir na tecnologia 5G, apesar da pressão americana.
Quanto a indicadores econômicos, a pesquisa semanal Focus do Bacen veio tranquila, com inflação em veio tranquila, com a inflação subindo para 3,54%, PIB estimado em -4,50% e produção industrial em queda de 5,03%. Dólar projetado em R$ 4,36 e superávit comercial em US$ 57,9 bilhões. Aliás, o saldo da balança comercial de novembro mostrou superávit de 3,73 bilhões, acumulando no ano 51,2 bilhões. O déficit primário até outubro estava em R$ 632 bilhões e déficit nominal (inclui juros) em 12 meses ultrapassou R$ 1,01 trilhão.
O Fluxo cambial de novembro até 27/11 estava positivo em US$ 278 milhões e ingresso pelo canal financeiro de US$ 6,0 bilhões. No ano acumula saídas liquidas de US$ 46,8 bilhões. O IBGE anunciou que a produção industrial expandiu 1,1% em outubro, mas no ano mostra contração de 6,3%. Também divulgou o PIB do terceiro trimestre, com alta de 7,7%, menor que o previsto, com o PIB industrial sendo destaque positivo com +14,8%, em substituição ao PIB agropecuário com queda de 0,5%, que até então era destaque. A formação bruta de capital fixo cresceu 11% no trimestre, mas mostra contração contra igual período de 7,8%. A taxa de investimento foi para 16,2% e a de poupança para 17,3%. O consumo das famílias cresceu 78,6% e o de governo 3,5%. Os números são positivos, mas partem de bases muito fracas e não mudam muito a tendência de queda em 2020 de algo próximo de 4,5%.
No mercado, destaque para a queda do dólar no mercado local e internacional e pela continuada alta do minério de ferro na China, respaldando altas do setor siderúrgico e mineração na Bovespa.
Notamos nitidamente a rotação de ativos, realizações de lucro sendo absorvidas pelos recursos entrantes e os investidores estrangeiros voltando a alocar recursos. Em novembro os estrangeiros voltaram com R$ 33,3 bilhões e ainda entraram em dezembro com compras líquidas.
INDICADORES DA SEMANA
BOVESPA +2,87% (113.750)
DOW JONES +1,02%
NASDAQ +2,12%
DÓLAR -3,65% (R$ 5,142)
PERSPECTIVAS
Estamos diante da possibilidade de uma série de notícias que podem ser bastante positivas para a economia global, mas os riscos são ainda elevados. Os investidores colocaram suas expectativas em “risk on”, e os mercados seguem se fortalecendo. O melhor exemplo é o fato de no último dia da semana os três principais índices do mercado americano terem superado recordes intraday. Aqui, ainda estamos amargando perdas em 2020 da ordem de 2,0%, mas com forte desvalorização cambial (também melhorou um pouco).
A leitura mais permissiva é que com a aplicação massiva de vacinas contra o Covid-19, as economias buscarão aquele novo normal. Mas lembramos que na prática não será exatamente assim, apesar dos investidores sempre se anteciparem. Portanto será preciso acompanhar o desenvolvimento desse tema, e também de outros como Brexit e mais estímulos fiscais, que em tese pode produzir mais apetite ao risco. Lembramos que as incertezas são ainda enormes, e alguns países não estão salvos da ocorrência de um duplo mergulho.
Se no exterior existem essas incertezas, podemos imaginar que aqui é ainda mais complexo. Porém, os investidores não residentes acordaram novamente para o país e estão fazendo a diferença nos dias que correm, com forte aporte de recursos na Bovespa. Isso explica bastante do desempenho das duas últimas semanas e da própria alta da Bovespa de 15,9% em novembro e da queda recente do dólar no segmento local.
Aqui, além de sofrermos o impacto externo, o governo precisa endereçar um monte de coisas e o Congresso votar sem demora, começando pela LDO de 2021 (orçamento) e passando por reformas, e clareza no que pretende.
Do ponto de vista da análise técnica, teríamos que ganhar o patamar na faixa de 115.000/116.000, para descortinar e chegar ao recorde de 120.000 pontos do Ibovespa, o que parece complicado.
Alvaro Bandeira
Sócio e economista-chefe do banco digital Modalmais
Fonte: www.modalmais.com.br/blog/falando-de-mercado