Podemos caracterizar a semana como tendo um único vetor observado pelos investidores em todo o mundo: a eleição para presidente dos EUA, bastante indefinida e com ameaças de judicialização que podem alongar a declaração do vencedor. Somado a isso, tivemos anúncios de indicadores importantes durante todo o período. Aqui, a semana foi mais curta com o feriado de Finados logo na segunda-feira. Sofremos os impactos das eleições (aqui também em 9 dias) e também tivemos decisões e indicadores importantes.
Os investidores e mercados foram pouco afetados por tudo que aconteceu na semana, quando o foco quase que exclusivamente na eleição. O processo tumultuado por grande número de votos por correio e disputa apertada entre Trump e Biden deu o tom e o calor dos mercados. Bem verdade que ambos os candidatos já tinham acenado que o reconhecimento da vitória não seria fácil e que poderia ir para a justiça. Trump falou disso com meses de antecedência. Porém, Trump contrariou até lideranças dos Republicanos ao falar de fraudes e roubos, ampliando o tom à medida em que Biden se aproximava de sua liderança em alguns estados pêndulos.
A equipe de Trump entrou com ações em condados e estados, alguns juízes rejeitaram alegações e o tema parece se encaminhar, onde couber, para a Suprema corte. No último dia da semana Biden finalmente conseguiu ultrapassar Trump também na Pensilvânia, havendo poucas urnas para serem apuradas, o que indica que teremos mais ruídos.
De qualquer forma, durante quase todo o período, os investidores parecem ter adotado Biden como o 46º presidente americano, e os mercados se comportaram de forma bastante positiva em todo o mundo. A visão prevalente é que os EUA teriam um governo mais inclusivo e menos isolacionista com Biden, sem a imprevisibilidade de Trump, e mais amigável dos emergentes (com o Brasil pode ser um pouco diferente), além de ser mais amistoso com a China. O dólar desacelerou em relação a outras moedas, as bolsas subiram forte e os juros voltaram a cair.
A semana também incluiu decisões do BOJ (BC do Japão), do BOE (BC inglês) e ainda do FED (EUA). Todos mantiveram suas políticas monetárias estabilizadas, e todos deixaram patente que poderiam fazer uso de ferramental disponível para ajudar na retomada econômica. O BOE foi mais longe, até por conta do Brexit ainda complicado, e ampliou a flexibilização monetária, ampliando a compra de ativos em 150 bilhões de libras, para total de 895 bilhões.
O presidente do FED Jerome Powell também deixou patente que nesse momento a política fiscal de estímulo seria mais eficiente que a monetária. Powell disse que a política fiscal pode fazer o que a monetária não pode, substituir a renda perdida.
Ao longo da semana também foram anunciados indicadores PMI da atividade industrial e de serviços para outubro, via de regra mostrando aceleração e acima de 50 pontos, o que mostra expansão da atividade. Mas, na Alemanha, a produção industrial cresceu 1,6% em setembro, de previsão de +2,5%. As encomendas à indústria cresceram 0,5%, de previsão de +1,5%. Na zona do euro, as vendas no varejo encolheram 2,0%, mais que o projetado. Já a Comissão Europeia e União Europeia melhoraram a previsão do PIB da zona do euro para -7,8%, de anterior em -8,7%. Em compensação, também reduziram a expectativa de expansão em 2021 para +4,2%, vindo de anterior em +6,1%.
Nos EUA destaque para o payroll, com a criação de vagas nos setores público e privado em outubro em 638000, quando o estimado era 570000. A taxa de desemprego também caiu para 6,9% em outubro, depois de setembro com 7,9%. O déficit da balança comercial em setembro caiu 4,8%, indo para US$ 63,9 bilhões. Um dado negativo e que certamente influiu na votação de Trump, foi a expansão da contaminação pelo covid-19, que no final da semana cravava mais de 120000 contaminados /dia.
No segmento local, a ata do Copom da última reunião mostrou o Bacen pouco preocupado com a alta da inflação no curto prazo, deixando ainda a porta aberta para quedas (pouco provável), mas faz carga sobre a política fiscal, necessidade de perseguir reformas e também sobre o nível de endividamento. O presidente Campos Neto disse depois que a estrutura dos juros está ligada à credibilidade da política fiscal. Lembramos ainda que no curso da semana o Senado aprovou a autonomia do Bacen, que segue agora para votação na Câmara, onde pode ser modificada.
Campos Neto e o ministro Paulo Guedes agradeceram o empenho do Senado na votação e esperam igual atitude por parte da Câmara. Também tomou posse o novo ministro do STF, Kassio Nunes Marques, que pode ter reduzido um pouco a aprovação do presidente Bolsonaro. Aliás, durante a semana, Bolsonaro toou partido sobre a eleição americana e também foi bastante criticado por isso e declarou em Alagoas, em elogio ao ex-presidente destituído Collor, que era “um homem que lutou pelo interesse do Brasil”. Foi demais para quem tem inúmeros processos em curso.
Na economia, O IBGE anunciou a produção industrial de setembro com expansão de 2,6%, a quinta alta seguida, mas ainda estamos 15,9% abaixo do pico ocorrido em maio de 2011. Destaque para bens de capital com alta de 7,0% e bens duráveis com 10,7%. Houve alta em 17 dos 26 ramos pesquisados. O Bacen também mostrou o fluxo cambial de outubro negativo em US$ 1,3 bilhão, gerando acumulado também negativo no ano de US$ 20,0 bilhões. Até outubro, pelo canal financeiro houve saída líquida de recursos de US$ 52,8 bilhões, e os bancos encerraram o mês vendidos em câmbio no montante de US$ 29,1 bilhões. A posição cambial líquida estava em US$ 297,1 bilhões. As perdas com swap cambial montaram a R$ 7,0 bilhões e a base monetária estava no final do mês em R$ 408,7 bilhões.
Falando de inflação, o IBGE anunciou a inflação oficial de outubro em 0,86%, acumulando no ano 2,22% e, em 12 meses, com 3,9%, maior que a media das previsões de 4,1%. O índice de difusão foi de 68,17% e os preços no atacado subiram mais forte, o que pode sinalizar pressões nos próximos meses. De qualquer forma, foi a maior taxa mensal desde 2002. A diferença em relação a inflação medida pelo IGP-DI é extrema. Até outubro esse indicador mostra alta de 19,20% e em 12 meses acumula +22,1%.
No mercado acionário forte alta ao longo da curta semana de quatro pregões e horário alterado (até as 18 horas), pela saída do mercado americano do horário de verão. Já os investidores estrangeiros na Bovespa mostraram ingresso de recursos na sessão até 04/11 de R$ 1,72 bilhão, mas o saldo do ano segue bastante negativo em R$ 83,2 bilhões. A Anbima divulgou que em outubro foram sacados dos fundos de renda fixa R$ 50,9 bilhões, e houve ingresso em fundos de ações de R$ 20,7 bilhões e em multimercados de R$ 4,9 bilhões. Também divulgou que a B3 seguiu com crescimento no número de investidores, para 3,15 milhões de CPFs.
INDICADORES DA SEMANA
BOVESPA +7,42% (100925)
DOW JONES +6,87%
NASDAQ +9,01%
DÓLAR R$5,37 (-6,44)
PERSPECTIVAS
O próximo período deve marcar a ação dos investidores em função do resultado da eleição americana, que nas urnas já deveremos ter o ganhador. Resta ver se teremos desdobramentos decorrentes da judicialização do resultado em alguns estados e condados americanos. Lembramos que os investidores não gostam de situações imprevisíveis. Bom ou ruim, mas com definição certa, permite que sejam tomadas decisões conscientes.
Biden certamente é o mais provável de ser o próximo presidente americano, e tem postura mais suave e multilateralista, enquanto Trump sempre foi imprevisível e isolacionista. O fato de o presidente Bolsonaro ter apoiado a reeleição de Trump não deve interferir nas relações entre o Brasil e os EUA, nas relações de estado. Porém, o Brasil deve ser pressionado no que tange às questões ambientais e da Amazônia, além de ênfase nas empresas com compromissos ESG, sustentabilidade ambiental, econômica e social. Fica faltando a definição em janeiro se terá ou não o controle do Senado.
Isso posto, um governo Biden deve ser mais positivo com relação aos países emergentes e aliviar tensões em relação a China e outros países que Trump fazia enorme carga. Também deve melhorar as relações com a Europa e a volta já declarada a acordo ambiental de Paris. Assim, se houver definição do pleito, os investidores devem agir positivamente.
Aqui, ficamos na dependência da postura diplomática do país e seus compromissos com outras nações. Mas, o presidente Bolsonaro perderia voz importante nas questões de direita. Não acreditamos que teremos qualquer represália ao Brasil, que Biden conhece bem, mas ao longo do tempo vamos precisar cuidar mais das questões ambientais.
Ainda por aqui, seguiremos tendo que avaliar questões como déficit fiscal, reformas, nível de endividamento, privatizações e concessões, pacto federativo, e tantas outras questões que podem determinar a postura do governo no pós-pandemia. Seguimos alertando que o governo precisa endereçar tudo isso de forma absolutamente transparente. Não há como fugir disso se quisermos ser olhados e bem avaliados pelos investidores.
Do ponto de vista da análise técnica, não deveríamos perder mais o patamar de 100000 pontos do Ibovespa, para abrir o objetivo em 103000/105000 pontos.
Alvaro Bandeira
Sócio e economista-chefe do banco digital Modalmais
Fonte: www.modalmais.com.br/blog/falando-de-mercado