Por Flávia Ribeiro, Colunista de Plurale *

O momento em que vivemos de incertezas forçou toda a sociedade a repensar o que realmente precisamos em nossas vidas. Com as empresas não foi diferente. O cobertor ficou curto para todo mundo e a corrida para blindar a imagem e a reputação chegou rapidamente à descoberta da palavrinha mágica: propósito. Uma busca no acervo digital do maior jornal de negócios do País mostra que o tema ESG (sigla em inglês para environmental, social e governance) foi pauta 14 vezes entre os dias 14 e 21 de outubro. Executivos foram atropelados pelo tsunami ESG que entrou com toda a força na agenda.

Há 15 anos, a palavra Sustentabilidade estava no auge. Eufóricos, muitos profissionais de comunicação colocaram a importância da preservação do meio ambiente e questões sociais no coração das campanhas. Com o passar dos anos, máscaras caíram. O escândalo da Lava Jato, por exemplo, mostrou que relatórios de sustentabilidade não revelavam 1% dos problemas. Cresceram a criação de políticas de compliance mais duras, desenvolvimento de culturas inclusivas e anticorrupção, além da publicação de relatórios anuais mais transparentes. No entanto, ainda era pouco relevante para os investidores.

Quando foi revelado o escândalo da Zara Brasil, há quase 10 anos, envolvendo trabalho em condições análogas a de escravos, uma amiga jornalista contou que os consumidores da marca estavam aguardando as liquidações porque os preços iriam cair. Moral da história: os clientes não conseguiram pressionar e nem convencer o segundo setor a mudar de verdade porque ele continuou comprando, mesmo com as práticas insustentáveis denunciadas pelo mercado. Foi assim que cresceu o mercado do “greenwashing”. Muitas organizações descobriram que cresciam ao reforçar uma cultura ética para a construção de marcas verdes, mesmo que o discurso não se sustentasse no longo prazo.

O mercado tem sinalizado que empresas e fundos que privilegiam os critérios ESG trazem maior rentabilidade e mais resiliência. A pressão começou dos investidores internacionais, mas os empresários brasileiros indicam que desejam abraçar a ideia. Estudo da BlackRock demonstrou que os fundos de índice serão protagonistas de um movimento gigante de investimento sustentável e verão seu volume global de captação, hoje em US$ 220 bilhões, quintuplicar para US$ 1,2 trilhão até 2030. O BTG Pactual Asset Management decidiu construir um índice de ações, em parceria com a Standard & Poor’s Dow Jones Índices (S&P DJI), ao lançar o primeiro Exchange Traded Fund (ETF) com critérios ESG do mercado brasileiro.

Afinal de contas, o que aconteceu para que questões como propósito, diversidade, inclusão, respeito ao meio ambiente e às boas práticas de governança voltassem a ganhar as manchetes do Brasil e do mundo? A pandemia escancarou os milhões de invisíveis que sobrevivem no sistema atual. A indústria percebeu que, sem suas redes de distribuição, o negócio quebraria. Houve uma corrida em diversos setores para mostrar que a hora era de cooperação, que concorrentes poderiam dar as mãos, que a globalização teve seus efeitos colaterais nocivos, pois muitos mercados locais estavam desprotegidos. Todo mundo ficou desperto e tiveram que repensar suas estratégias para manter o valor de suas marcas.

Investidores e acionistas devem ficar atentos pelos riscos do “ESG Washing”. Ao eleger uma metodologia de indicadores como GRI para um relatório anual, ao coletar dados na empresa para sustentar um índice de sustentabilidade empresarial (ISE) da BM&FBovespa, por exemplo, o empresário revela voluntariamente dados quantitativos e qualitativos que são seletivos, muitas vezes não auditados. Como os impactos positivos ou negativos do negócio estão sendo medidos? É preciso investigar qual a motivação de mostrar boas ações e esconder o que é ruim. Estão todos preparados para distinguir o joio do trigo?

Os consumidores mais conscientes também irão promover uma cultura de cancelamento das marcas que tentarem ludibriar o mercado. Será uma questão de tempo. Tempo para as companhias se organizarem e provarem que adotaram práticas “ESG” como sua primeira grande causa. O que, cá entre nós, deveria ser condição para o nascimento de qualquer empresa. É legítimo ser rentável, mas é perverso que “o lucro de um seja o prejuízo de outro”. O lucro máximo não pode ser o waze de ninguém. Que soluções podemos propor para que a responsabilidade social, ambiental e boa gestão estejam no propósito de todas as organizações? O amanhã nós escolhemos hoje.

*Flávia Ribeiro é jornalista e consultora de Comunicação, Sustentabilidade e Social Advocacy.

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