O pânico causado em muitas empresas de capital aberto pela pandemia do novo coronavírus poderá atingir em cheio um dos mecanismos que seduz boa parte dos investidores de ações: a distribuição dos dividendos. Com caixas enxutos, parte das companhias brasileiras poderão recorrer a mecanismos legais para reter proventos – o que em alguns casos já é realidade.

Conforme Clarisssa Freitas, sócia da Machado Meyer Advogados e especialista em legislação do mercado de capitais, a Medida Provisória nº 931/20 e a Deliberação CVM nº 849/20, aprovadas no dia 30 de março, alteraram regras para a declaração dos dividendos no país. Foi facultado que os órgãos da administração (conselho e diretoria) declarem dividendos intermediários com base em balanço semestral, independentemente de previsão estatutária. O objetivo é atender, quando for o caso, à necessidade de pagar proventos aos acionistas enquanto pende a realização da assembleia geral ordinária.

“Além disso, a Lei das S.A. prevê alguns mecanismos dos quais as companhias poderiam se valer para destinar seu resultado sem a necessidade de deliberar pela distribuição de dividendos, poupando e preservando seu caixa para o cenário adverso”, explica a especialista, citando as regras de reservas para contingências (artigo 195 da Lei das S.A.), reserva de retenção de lucros mediante orçamento de capital (artigo 196 da Lei das S.A.) e reserva especial (artigo 202, §5º da Lei das S.A.).

Pressionadas pela pandemia, algumas organizações já estão abrindo negociações com os investidores. A C&A apresentou aos seus acionistas, em 26 de maio, proposta para reter o dividendo mínimo obrigatório. A empresa propôs que, do valor de R$ 230,9 milhões correspondentes à totalidade do dividendo obrigatório, R$ 162 milhões sejam retidos e destinados à “Reserva Especial de Dividendos”, com base na Lei das Sociedades por Ações. A fatia seria distribuída quando a situação financeira da companhia melhorar, caso não seja absorvida por prejuízos em exercícios subsequentes.

Apesar dos sinais negativos que vêm das S/A, investir em empresas com bom histórico de pagamento de dividendos está longe de ser mau negócio. “Mesmo com o impacto do coronavírus na bolsa, algumas empresas estão pagando dividendos recordes: mesmo companhias com Yield baixo agora estão interessantes”, afirma o consultor financeiro Marcelo Fyat, especialista em dividendos do serviço GuiaInvest. Ele explica que, com a queda no valor das ações, a distribuição dos lucros entre os investidores se torna, proporcionalmente, mais significativa em relação aos preços dos papéis.

Alguns exemplos ao final do primeiro semestre, compilados por Fyat, são Smiles ON (DY de 24,9% para 2020, ante 7,1% na média dos últimos três anos), Whrilpool PN (DY de 21,4% neste ano, ante uma média anterior de 8,1%) e Cyrela Realt ON (DY de 18,8%, ante média de 4,5%).

“Esta é uma ótima oportunidade para investidores que buscam empresas boas pagadoras de dividendos”, completa, mencionando ações que estejam baratas.

Em 2019, o volume de dividendos e JCPs de 234 empresas de capital aberto distribuído foi de R$ 119,2 bilhões, valor 13% superior ao de 2018 e o maior nominal histórico, de acordo com levantamento da Economatica. Nos últimos quatro anos, o volume de dividendos e JCP’s vem crescendo continuamente.

Entre 2016 e 2019, o crescimento da distribuição de dividendos foi de 77,6%. Em 2016, o volume foi de R$ 67,16 bilhões. O setor de bancos, com 22 instituições, teve o maior volume de recursos distribuídos em 2019, com R$ 60,4 bilhões, 53,3% superior ao de 2018. O setor de petróleo e gás, com R$ 15,1 bilhões, é o segundo setor com maior volume distribuído. Já o segmento de mineração, com duas empresas, teve a maior redução, puxado pela Vale.

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