Eu, com 23 anos de idade, passei o sábado de Aleluia de 1964 (que caiu em 28 de março) em Teresópolis, na casa de campo do general Humberto de Alencar Castelo Branco, que na época não fazia a menor ideia de que dentro de algumas semanas seria eleito pelo Congresso (num pleito espúrio − pois os principais opositores tiveram seus direitos políticos cassados e não puderam votar − mas que foi aceito pela maioria dos países e aprovado por quase toda a população brasileira) presidente da República, em substituição a Ranieri Mazzilli, que ocupara o posto provisoriamente por ser presidente da Câmara dos Deputados, quando João (Jango) Goulart fugiu para o Uruguai. 

No domingo da Páscoa, dia 30 de março, viajei em meu Renault Gordini de Teresópolis para Belo Horizonte, onde morava e trabalhava.

No rádio do carro, as notícias davam conta de que um movimento militar estava em andamento, visando a deposição do presidente Goulart.

Havia algumas semanas, eu era insider do que realmente acontecia. O dono da corretora onde eu trabalhava em BH se reunia com outros opositores de Jango, entre eles o general Luís Carlos Guedes, gente que defendia a deposição do presidente por vias militares.

Meu pai, que era professor da Escola Superior de Guerra, também acompanhava as reuniões dos conspiradores do Rio de Janeiro.

O principal motivo pelo qual eu queria ardentemente a deposição de João Goulart, por bem ou por mal, era que eu seguia cegamente a opinião e as atitudes de Carlos Lacerda, governador do Rio de Janeiro e meu ídolo político, aliás, o único que tive na vida.

Na sexta-feira 13 de março de 1964, Leonel Brizola (governador do Rio Grande do Sul e cunhado de Jango) iria fazer uma palestra no auditório da Secretaria Estadual de Educação em Belo Horizonte.

Insuflados por Carlos Lacerda, grupos armados (de paus, pedras, facas e revólveres) cercaram a Secretaria e Brizola teve de se escafeder para o aeroporto.

Eu estava no meio da turba, armado com meu Taurus 32. Não sei, nem nunca saberei, se teria coragem de usá-lo, mas o revólver na cintura me fazia me sentir um revolucionário, disposto a mudar os destinos do país.

Voltando aos dias do golpe (ou revolução, como queiram), na segunda-feira o movimento para deposição de Goulart e início de um governo militar teve início.

No dia seguinte, terça-feira, o governador Carlos Lacerda, das escadas do palácio da Guanabara, no Rio de Janeiro, usando capacete e revólver, fez um pronunciamento apaixonado conclamando seus seguidores a aderirem à revolução para depor João Goulart.

Mais do que depressa, me alistei na Polícia Militar do Estado de Minas Gerais, que o governador Magalhães Pinto pusera sob ordens do exército.

Como não havia farda para os voluntários, nos deram uma fitinha amarela com um triângulo verde com a inscrição Liberta Que Sera Tamem (Liberdade ainda que tardia) para pôr no antebraço. 

E lá fui eu caçar comunistas.

Dizer que foi um fracasso, é pouco. Enquanto meus companheiros de farda (ooops, de braçadeira) prendiam os comunistas, eu, com meu 32, os mantinha na carroceria de uma picape. O destino final seria o DOPS.

Em parte, com medo de estar cometendo uma injustiça, em parte porque conhecia pessoalmente alguns dos “meus” prisioneiros, o certo é que soltei todo mundo.

Quando cheguei em casa, à noite, e meu pai me viu com a faixa amarela, não teve meias palavras:

Ivan, tira essa palhaçada do braço. Você está apoiando uma ditadura militar que vai durar vinte anos !”(errou por um).

O curioso é que o primeiro dos presidentes do ciclo militar, Humberto de Alencar Castelo Branco, convidou meu pai para ser secretário do Planejamento de seu governo.

Os dois tornaram-se amigos. O velho era a única pessoa que Castelo levava até o elevador do Planalto, após despachar com ele. Eu mesmo estive com Castelo Branco diversas vezes, em festas e cerimônias oficiais.

Nunca apoiei os governos militares e muito menos os movimentos de guerrilha urbana que tentaram, sem a menor chance de sucesso, derrubá-los.

Meu negócio era operar na Bolsa e pronto.

Como nunca fui de direita, e muito menos de esquerda, não me interessei mais por política, o que não quer dizer que não me importo com o futuro do Brasil.

Voltando às minhas lembranças de 1964, quando, no dia 30 de março, que completa hoje 60 anos, em comício no Automóvel Clube do Brasil, João Goulart convocou os soldados, cabos e sargentos das Forças Armadas a se revoltarem contra seus oficiais, terminou de selar sua sorte.

Mesmo num país como os Estados Unidos, se um presidente dissesse isso, seria apeado do cargo, provavelmente através do Congresso. Mas seria.

No Brasil, 1964 nada tem a ver com a tentativa de golpe de Estado perpetrada pelos bolsonaristas.

A chance de sucesso era zero, o alto comando do Exército não apoiaria, pouquíssimas nações reconheceriam a permanência de Jair Bolsonaro no poder e o Brasil sofreria sanções da maioria dos países

1964 foi um caso único e não vejo a menor chance de se repetir.

Um ótimo fim de semana para todos! 

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