Não é só a distância que separa Santos, no litoral paulista, e Ananindeua, na região metropolitana de Belém (PA). Há um abismo entre as duas cidades, que estão em lados opostos em termos de qualidade de vida. Uma apostou nos investimentos para universalizar os serviços de água e esgoto e hoje é considerada uma das melhores cidades para morar no País. A outra conseguiu fazer muito pouco nessa área e tem graves problemas sociais. Em Ananindeua, apenas 2% da população tem esgoto, o que lhe dá o título de cidade com pior saneamento do País.

Um dos objetivos do novo marco regulatório do setor do saneamento básico, aprovado em junho, é reduzir essas disparidades no Brasil, atraindo grandes investidores para melhorar o desenvolvimento econômico e humano das regiões. Além dos ganhos na área da saúde, a maior cobertura dos serviços de água e esgoto é capaz de dar impulso à economia local, com impacto sobre produtividade, renda e valorização imobiliária das cidades.

“O saneamento básico é a infraestrutura mais transversal na cidade, uma vez que os serviços ajudam em várias frentes, começando pela redução das doenças e dos gastos em saúde. Essa melhoria na saúde ajuda em ganhos na educação e na produtividade do trabalho, valor dos imóveis e turismo”, afirma o presidente do Instituto Trata Brasil, Édison Carlos.

Segundo ele, investimento em saneamento gera, também, empregos e boa parte da renda desses trabalhadores acaba ficando no município. “Movimenta desde o mercadinho e a padaria, até escritórios, imóveis e impostos que alimentam os cofres públicos.”

Exemplo disso pode ser verificado entre Ananindeua e Santos, que têm população semelhante. O salário médio do trabalhador santista é quase o dobro do de Ananindeua: 3,4 salários mínimos ante 1,9 salário da cidade paraense. O PIB per capita, que mede a riqueza da população, é três vezes maior: R$ 51,8 mil na cidade paulista ante R$ 13,5 mil no município do Pará.

Na área da saúde, a falta de saneamento tem impacto devastador para a população. Em Ananindeua, cujos índices de saneamento são ruins, são 2,7 internações por mil habitantes devido à diarreia; em Santos esse número é de apenas 0,1. “O mais importante do novo marco de saneamento é o impacto sobre a saúde da população, o aprendizado das crianças – quem aprende vivendo doente? – e os enormes custos que impõe ao SUS (Sistema Único de Saúde) e INSS, por conta de internações e afastamentos do trabalho”, afirma o presidente da consultoria Inter.B, Claudio Frischtak.

Santos

Localizada no litoral de São Paulo, a cidade de Santos já foi eleita algumas vezes a melhor grande cidade para morar no Brasil. Com 432 mil habitantes, o município tem Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) maior que a média nacional: de 0,840, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Cidades e países com IDH superior a 0,8 têm desenvolvimento considerado alto.

Um dos motivos para a melhora da qualidade de vida é a universalização dos serviços de água e esgoto, o que garantiu o título de cidade com melhor saneamento do País neste ano pelo Instituto Trata Brasil.

Em 2015, Santos já estava com quase todos os serviços universalizados. Cerca de 99% da população era atendida com água potável e 98,5%, com coleta de esgoto. Esses indicadores chegaram a 100% neste ano. Apesar da pequena diferença, o resultado pode ser visto nos números do setor de saúde.

Segundo a Secretaria de Saúde de Santos, houve queda no número de casos de doenças virais (relacionadas ao saneamento básico), entre 2017 e 2019, registrados na rede municipal de saúde. Os casos de hepatite aguda tipo A caíram de 10 para 3 no ano passado. O de rotavírus recuou de 5 casos para zero.

A cidade tem ainda um dos índices mais baixos de internação por diarreia no País. Segundo o IBGE, para cada mil habitantes, há apenas 0,1 internação com o sintoma. “O reflexo do saneamento é evidente na qualidade de vida”, diz o prefeito Paulo Alexandre Barbosa.

Ananindeua

No Norte do Brasil, ao lado da capital paraense, Belém, está Ananindeua – a cidade que neste ano ficou em último lugar na qualidade do saneamento básico para sua população, segundo o Instituto Trata Brasil. Ali, as condições são precárias: 68% da população de 530 mil habitantes não tem água encanada e 98% não têm esgoto.

A família do jardineiro José Meireles, 45 anos, conhece bem os efeitos colaterais da falta de infraestrutura. No lugar onde mora, A casa é cercada de lama e mato. Quando chove, a casa, feita de madeira e alvenaria, é inundada e todos ficam com os pés na água suja. Meireles conta que já pegou meningite, doença que atinge, principalmente, pessoas que estão às margens da pobreza. “Estar em meio ao esgoto, temer a chuva, passar por meio de lixo, conviver com ratos, é uma realidade que vivo desde menino”, conta.

O município, que não tem planejamento urbano, apesar de ter um Plano Diretor aprovado em 2006 que prevê uma política de desenvolvimento, é cercado de córregos que viraram, ao longo dos anos, valas a céu aberto. As ruas, na sua maior parte, são esburacadas. Sem lixeiras, sacos com todo tipo de resíduos ficam espalhados ao longo das calçadas.

O saneamento é a maior preocupação de Jhonckeisson Silva, de 27 anos, que está desempregado. Ele tem dois filhos, de 4 anos e 6 meses. “Não posso comprar água mineral para as crianças. Um garrafão custa R$ 5”, afirma. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.