A semana que se projetava como complicada para os mercados de risco em todo o mundo, acabou se traduzindo em positiva, principalmente para o segmento local, por definição ainda mais complicado. Segunda onda da covid -19 começando pelo mundo, reuniões de bancos centrais sobre política monetária e conflitos diplomáticos; deram o tom externo. Aqui, lado político fragilizado e com votações previstas importantes no Congresso Nacional, demissão de mais um ministro, fogo cruzado sobre o clã Bolsonaro e vencimentos de derivativos na B3. Mas ainda assim, a Bovespa emplacou quatro pregões consecutivos de alta.

Na nossa visão, o grande diferencial esteve no fluxo de recursos canalizado para os mercados de risco, por conta da enorme liquidez internacional e expectativa de juros baixos ou negativos por longo período, inclusive após a pandemia estar controlada. Aqui, nitidamente observamos fuga de recursos da renda fixa, notadamente após o Copom ter mais uma vez reduzido a taxa Selic e ter deixado brecha para mais quedas. Apesar disso, a volatilidade prosseguiu durante todo o período, com curtas realizações de lucros e novos recursos absorvendo.

No cenário externo, a maior preocupação foi a possibilidade de uma segunda onda de contágio e mortes pela covid-19 em diferentes países e regiões. Nos EUA, na parte sul do país, principalmente Flórida, Texas e Califórnia. Em outros países que já tinham começado a abrir, como Itália e Espanha, e principalmente na região de Pequim, com fechamento de mercados e interrupção de aulas em escolas. Como o vírus tem um período de incubação longo, será preciso observar também a próxima semana.

Ao longo do período tivemos algumas reuniões de bancos centrais sobre política monetária e pronunciamentos importantes, como o do presidente e dirigentes regionais do FED. No Chile, o banco central manteve a taxa de juros estabilizada em 0,50% e anunciou novas compras de ativos. Na China, o PBOC vai reduzir novamente os depósitos compulsórios para garantir liquidez ao sistema e reduzir preocupação com o nível de endividamento das províncias.

A Indonésia cortou juros em 0,25% para 4,25% e Suíça, e Noruega mantiveram taxas em respectivamente -0,10% e zero. Já a Rússia reduziu 1% para 4,50%. EUA e China foram enfáticos em ressaltar que não vão adotar juros negativos em suas economias.

Na zona do euro, os bancos já emprestaram 1,3 trilhão de euros do BCE que devem ser repassados para a economia real. O BOE (BC inglês) manteve a taxa de juros inalterada em 0,10%, mas ampliou a flexibilização monetária em 100 bilhões de libras, para total de 745 bilhões. Apesar disso, analistas acreditam que vão ampliar ainda mais. Por lá, o mercado de trabalho deve seguir fraco e a inflação em queda, apesar de as vendas no varejo terem surpreendido positivamente em maio com +12%. A preocupação segue sendo com a zona do euro em forte desaceleração e a presidente do BCE pressionando para que a União Europeia adote mais estímulos e evite problemas no sistema financeiro. Além disso, a Alemanha advertiu que pode ocorrer Brexit sem acordo e a União Europeia diz que vai aplicar controle alfandegário completo para o Reino Unido. A China disse também que não vai monetizar o déficit fiscal.

Durante a semana, os conflitos diplomáticos tiveram desdobramentos, alguns positivos. A China disse que vai acelerar as compras de produtos agrícolas dos EUA de acordo com a primeira fase de negociações, mas o presidente Trump seguiu fazendo carga sobre a culpa na transmissão da covid-19, e isso deve se intensificar, já que as pesquisas mostram o presidente 8% abaixo de Joe Biden para as eleições do final do ano. Além disso, tivemos confronto entre tropas chinesas e indiana na região do Himalaia com mortes, e a decisão da Índia de proibir uso para empresas estatais da tecnologia 4G chinesa. Pressões também da Alemanha, França e o Reino Unido contra a China sobre a covid-19 e ainda sobre o plano de segurança nacional contra Hong Kong.

Na semana, o presidente do FED, Jerome Powell discursou por três vezes, sendo arguido no Senado e na Câmara e foi suavizando suas declarações, notadamente em relação à coletiva de imprensa da semana anterior. Não mudou seu discurso, mas destacou as incertezas e necessidade de se fazer mais e as dificuldades de retomada. Também tivemos outros dirigentes regionais com pronunciamentos na mesma linha, além de assessores e secretários de Trump. Mas o tom foi sempre de um segundo semestre bem melhor em 2020. Já a presidente da Câmara Nancy Pelosi quer ampliar estímulos com pagamentos diretos e recursos para infraestrutura. Trump concorda e segue querendo reduzir impostos sobre a folha de pagamentos.

Em termos de indicadores de conjuntura, a China anunciou que a produção industrial de maio cresceu 4,4%, vendas no varejo encolheram 2,8%, investimentos em ativos fixos com queda nos cinco meses de 2020 de 6,3% e desemprego urbano em 5,9%. Indicadores considerados fracos. Na zona do euro, o superávit comercial despencou para 1,2 bilhão de euros em abril (anterior em 25,5 bilhões), com as exportações encolhendo 24,5% e importações menores em 13%. Lá, a inflação pelo CPI de maio ficou em 0,1% anualizada, bem abaixo da meta. Na Alemanha, a inflação pelo CPI (consumidor) de maio caiu para 0,6% e no atacado (PPI) deflação de 0,4%. Nos EUA, vendas no varejo em alta de 17,7% em maio e produção industrial expandindo 1,4%.

No cenário doméstico destaque absoluto para as confusões políticas, com o clã Bolsonaro no meio do fogo cruzado. Durante a semana tivemos a prisão do assessor de Flávio Bolsonaro, Fabricio Queiroz, e busca de outros assessores ligados, sem que o presidente até aqui tenha se pronunciado. Fez menção apenas em 26 segundos em sua live de todas as quintas-feiras, o que não é nem de longe seu modo. Além disso, temos pressões vindas da maioria formada para inquérito das fake news, e julgamento da impugnação da chapa à presidência Bolsonaro-Mourão; além dos pedidos de impeachment em mãos de Rodrigo Maia. Possivelmente nada disso (exceto Queiroz) terá desdobramentos mais graves, mas o presidente permanece acuado, enquanto busca apoio político junto aos partidos do Centrão.

No ambiente econômico, Paulo Guedes segue acreditando em recuperação rápida da economia, enquanto empresários seguem dizendo que os recursos demoram a chegar nas pequenas e médias empresas, mas o problema parece ser mais de fluxo insuficiente. Destaque também para fala de dirigente do Bacen de que a regulação de compra de ativos privados deve sair em breve, situação que deu ânimo muito forte nos EUA, quando anunciada na semana pelo FED. O dado principal do período foi mesmo a decisão do Copom de reduzir a taxa Selic em 0,75% para 2,25% e deixando espaço para reduções residuais nas próximas reuniões, não necessariamente na de início de agosto.

Mas o Copom faz carga na necessidade de se manter reformas estruturantes e indica que incertezas estão dos dois lados. E deve aguardar desdobramentos.

Em termos de indicadores, a nova pesquisa semanal Focus veio sem grandes alterações, com inflação subindo para 1,60%, PIB em contração de 6,5%, dólar caindo para R$ 5,20 (de R$ 5,40) e superávit comercial de US$ 52,5 bilhões; tudo para o ano de 2020.

O saldo comercial acumulado até a segunda semana de junho mostrava superávit de US$ 18,9 bilhões. A vendas no varejo de abril encolheram 16,8% e varejo ampliado com -17,5%. A média trimestral mostrou encolhimento de 6,1%. Já o volume de serviços prestados observou contração de 11,7% em abril e estamos 27,0% abaixo do pico registrado em novembro de 2014. Já a inflação medida pelo IGP-M da segunda prévia de junho mostrou forte expansão de 1,48% (anterior em 0,01%), deixando a inflação do ano em 4,31% e em 12 meses de 7,24%. Também foi anunciado o IBC-Br de abril (uma prévia do PIB) com contração de 9,37% e no ano com 4,15%.

No mercado acionário local, no câmbio e juros; fortes oscilações intraday, mas com o fluxo de recursos canalizado, a Bovespa pode mostrar bom desempenho, absorvendo pressões vendedoras por realizações de lucros de curto prazo mesmo considerando que o período englobou o vencimento de opções e índice para o prazo de junho. Até a sessão de 17/6, os investidores estrangeiros tinham alocado recursos no montante de R$ 2,94 bilhões, mas o saldo líquido de 2020 ainda ficou negativo em R$ 73,9 bilhões.

Indicadores da semana  

IBOVESPA +4,07% (96.572)

DOW JONES +1,04%

NASDAQ +3,73%

DÓLAR R$ 5,315 (+5,39%)

Perspectivas     

No cenário externo, dois fatores se destacam como preocupação dos investidores. De um lado, a possibilidade real de uma segunda onda de contágio e mortes pela covid-19 no qual, as estatísticas mostram mais de 8,5 milhões de contaminados no mundo (Brasil chegando em 1 milhão e quase 50 mil mortos), e os conflitos diplomáticos entre EUA e China.

Para o primeiro existe a possibilidade de medicamentos e vacinas estarem disponíveis mais rápido do que se supunha. Para os conflitos, com Trump atrás nas pesquisas eleitorais, a previsão é de endurecimento do discurso e escalada sobre a China. Correndo por fora, teríamos a forte desaceleração da Europa e a novela envolvendo Brexit sem acordo e União Europeia jogando duro com o ex-parceiro Reino Unido.

No segmento local, temos os riscos derivados da abertura da economia com a curva de contágio e mortes ainda em alta, o que amplia riscos de uma segunda onda, e retardo na recuperação da economia e necessidade de mais estímulos. Mas a maior preocupação está no âmbito político e no quase silêncio do presidente Bolsonaro (falou 26 segundos sobre o tema) sobre a prisão de assessores e pessoas ligadas à sua família. Há a preocupação que possa voltar para sua postura beligerante, o que não adianta para compor com os demais poderes, mesmo tendo demitido o ministro da Educação.

Afora isso, existem todas as outras pressões políticas já citadas que deixam a estrutura de poder fragilizada e indicadores de conjuntura que vão seguir saindo fracos e com outras economias já mostrando alguma recuperação.

Esse quadro não colabora em nada para ampliação do fluxo externo de recursos para o país e pode começar a comprometer nosso balanço de pagamentos. Portanto, a situação ainda exige prudência na assunção de risco em mercados, apesar de existir potencial para que a Bovespa supere novamente a faixa dos 100 mil pontos. Pela análise técnica seria oportuno ultrapassar a faixa de 99 mil pontos, e não deveríamos perder a zona próxima de 90 mil pontos.

Publicidade

Onde investir neste fim de ano?

Veja as recomendações de diversos analistas em um só lugar.