A crise COVID-19 apresenta às empresas e demais organizações ao redor do Planeta grandes desafios de curto, médio e longo prazos, tanto quanto à sua governança corporativa quanto em relação às operações empresariais. De modo simplificado, a governança corporativa é o governo da organização, ou seja, seu sistema de comando, podendo incluir o conselho de administração, o conselho fiscal e a diretoria executiva, ou apenas esta última, conforme a estrutura da cúpula organizacional. Integram ainda o sistema de governança os comitês profissionais que apoiam os conselhos e as diretorias. Quanto às operações, estas abrangem as atividades que asseguram e apoiam o recebimento de insumos de fornecedores e a entrega de produtos e serviços aos clientes e outros stakeholders que dependem da organização.

Ainda sob forte perplexidade e diante de um evento de natureza global, sobre o qual existem importantes perguntas sem respostas (e sem a previsão de quando tais respostas existirão), as empresas e as demais organizações da economia procuram organizar e buscam fazer uma travessia que é difícil, em oceano revolto. Essas perguntas afetam tanto a governança corporativa quanto as operações organizacionais. Exemplificando: quanto tempo a crise durará? Quando será possível retornar à mobilidade anterior à crise? Há que esperar semanas, meses ou de um certo número de anos?

Um horizonte que alguns têm considerado para estimar o tempo de término da crise COVID-19 é o período estimado de dois anos, considerado razoável para a produção de uma vacina confiável e bem testada. Mas o nível de incerteza é considerável. Para o momento, o isolamento social e as medidas de higiene indicadas pelas autoridades da saúde, em termos práticos, são o que se tem. Além desses instrumentos, resta às pessoas cuidarem de seus sistemas imunológicos para enfrentar o vírus, sendo que fragilidades de saúde, que emergem ou são agravadas pela idade, podem implicar um menor nível de imunidade. Lembrando que a desigualdade social pode agravar a situação.

No momento em que escrevemos este breve artigo, ainda não se sabe quando a crise COVID-19 terminará. Mesmo assim, organizações tomam medidas para atravessar a crise e chegar adiante com boas forças para operar em um novo normal. Como assim? Ora, as evidências sinalizam: a vida no Planeta e as práticas de trabalho e sociais das pessoas não serão mais como eram antes, já existem sinais abundantes de que assim será. A seguir, apresentamos dois exemplos, o primeiro na área de saúde, e o segundo, na área de educação, os quais ilustram essa forte percepção. Esperamos que com esses exemplos, nossos leitores possam visualizar uma tendência que se manifesta, mesmo com os pontos de interrogação existentes.

Na saúde, executivos de grupos que operam nessa indústria têm afirmado que uma realidade diferente se apresenta, caracterizada por um novo mix entre atendimento médico presencial e à distância, plataformas de saúde robustas para atendimento a necessidades dos indivíduos, com informações realmente confiáveis sobre vida e saúde (quem já não recorreu à internet para tentar entender algum problema de saúde pessoal ou de família?), uso muito mais intenso de tecnologia no diagnóstico, em tratamentos e acompanhamentos, grande crescimento de entregas de medicamentos on line, leis e outros dispositivos formais que autorizam novas práticas – aliás, alguns instrumentos já valem para o momento – e muito mais. Uma nova medicina parece se avizinhar no horizonte, ainda que se reconheça que o exame físico é imprescindível em muitas situações, e que muito se desconheça sobre como tal medicina será.

Já na educação, o Brasil assistiu – e o mesmo se deu em vários países –às instituições de ensino superior reagirem de modo extraordinariamente célere à crise COVID-19. A proporção de ensino à distância (EAD) em relação ao ensino total passou, em poucos dias, de 20% para 100%, sendo que em alguns casos, a migração para a plataforma digital ocorreu em meras 48 horas. As consequências dessa migração tão abrangente e ágil se farão sentir em anos posteriores, criando uma ordem em que o desenvolvimento de talentos ocorrerá não apenas nos campi universitários, mas diante das telas de computadores e aplicativos, em muito maior medida do que antes da crise. E assim como na saúde, a tecnologia será muito importante, provendo aos professores e alunos novas ferramentas e experiências de ensino e aprendizado. Assim como na medicina, parte das atividades será, necessariamente, presencial, pois nada substitui algumas práticas milenares de compartilhamento do conhecimento in loco, o estar junto de mestres e discípulos.

Após feita esta breve contextualização, que aponta grande nível de incerteza no quadro atual e, ao mesmo tempo, sinais inequívocos de mudanças em setores econômicos importantes (lembrando que nem contemplamos aqui outros setores também muito relevantes, tais como alimentação, transportes, lazer e vários outros), indagamos: no que respeita à governança corporativa, como a Alta Administração das organizações deve enfrentar a crise COVID-19 no curto prazo, neste momento de travessia em meio a grande incerteza?

Procurando ouvir opiniões de executivos de grandes organizações, anotamos quatro palavras que resumem o que eles pensam sobre o que é crucial neste momento de incerteza, de perplexidade, pois provavelmente poucas pessoas no Planeta realmente se prepararam para uma crise de natureza biológica: PRINCÍPIOS, PRONTIDÃO, PRIORIZAÇÃO e COMUNICAÇÃO. Não nesta ordem, já que todos estes quatro conceitos têm o mesmo nível de relevância. A seguir, discorremos brevemente sobre o que os profissionais que ouvimos vislumbram como grandes diretrizes para os líderes das organizações, ou seja, como diretrizes da governança corporativa que devem iluminá-las nestes tempos de incerteza.

Sobre PRINCÍPIOS, a crise COVID-19 coloca aos integrantes do conselho de administração, fiscal e da diretoria executiva diante da clara necessidade de aderência aos princípios éticos organizacionais e, neste sentido, destacamos os princípios clássicos de governança, quais sejam transparência, equidade, prestação de contas e responsabilidade corporativa. Diante da perplexidade e das dúvidas sobre a crise, esses e outros princípios considerados válidos pelos sócios e líderes das organizações são um farol para guiá-los no oceano revolto. O foco nos princípios é nevrálgico em várias decisões corporativas, como por exemplo, o tratamento a ser dado aos contratos formais e psicológicos firmados com stakeholders primários, entre empregados, clientes e fornecedores.

Ainda raciocinando sobre PRINCÍPIOS, consideremos os empregados: a organização fará o máximo que puder para preservar os empregos das pessoas? Para preservar sua saúde? E quanto à sociedade, em um momento de muitas carências e necessidades? Pretende-se fazer algo, especialmente pelos desassistidos? No que tange a práticas de Engenharia, haverá flexibilização de critérios técnicos? Ou o entendimento é que a segurança de pessoas e instalações é inegociável? Como a organização procederá? A responsabilidade corporativa inspirará líderes nas perguntas certas sobre estas e outras questões e ensejará também as respostas certas, lembrando que a sociedade está atenta e que muitos poderão dizer, em algum momento de um futuro que virá: nós vimos o que vocês fizeram no verão passado.

No que concerne à PRONTIDÃO, todos os integrantes da Alta Administração – conselheiros de administração e diretores executivos – devem estar completamente disponíveis para ajudar a organização a tomar decisões e a viabilizar as providências de curto e médio prazos. Serão necessárias racionalidade e criatividade para que possa enfrentar o momento, citando-se aqui dois atributos valorizados pelo grande sociólogo alemão Max Weber (considerado um dos pais da Sociologia, ao lado de Karl Marx e Émile Durkheim). A Alta Administração deve, ainda, assegurar que também estejam de prontidão todos os profissionais críticos para subsidiar e operacionalizar suas decisões.

Entretanto, a PRONTIDÃO está longe de ser esgotada pela disponibilidade total da cúpula da organização. Ela também se refere à saúde de todos os colaboradores, da base ao topo. Cumpre assegurar tempestividade na busca do nível zero de contaminação de colaboradores, por mais utópico que isso pareça. Se o princípio da responsabilidade corporativa direciona a organização na correta direção do respeito aos colaboradores e suas famílias, como tratar com tempestividade as emergências que poderão ocorrer, físicas, psicológicas e de outras ordens? Nem todas as pessoas envolvidas em isolamento social podem reagir bem a essa condição, uma das mais importantes do escasso repertório disponível para prevenir a contaminação. Assim, é preciso ter protocolos responsáveis, acompanhando caso a caso e, nesse sentido, todos os líderes organizacionais devem estar de prontidão.

Passando ao conceito de PRIORIZAÇÃO, cabe aos líderes identificar e elencar o que deve ser feito a curto e médio prazos e a gestão de riscos é ferramenta básica para tal. É preciso clareza sobre os riscos que podem, no limite, destruir a organização. As organizações melhor estruturadas na gestão de riscos – na gestão de crises! – serão aquelas com melhor desempenho esperado na travessia do oceano revolto. Riscos podem ser classificados de várias formas; neste artigo, em linha com o pensamento dos executivos ouvidos, focalizamos os riscos operacionais e financeiros. Os primeiros estão associados às operações, à cadeia produtiva; além dos riscos à saúde física e mental dos colaboradores (prioridade zero), há que pensar na cadeia na qual a organização se insere, sendo preciso identificar quais atividades não podem parar, sejam estas continuadas à distância ou presencialmente.

Ainda dentro do conceito de PRIORIZAÇÃO, o tema finanças se torna crítico e a gestão de caixa se torna fulcro de atenção. A frase cash is king, clássica de Finanças Corporativas, jamais terá sido tão apropriada para o momento. Nesse sentido, várias são as práticas sugeridas: cenários médios, conservadores e muito conservadores (não se recomenda raciocinar com cenários otimistas, diante de tanta incerteza, mesmo torcendo pelo melhor), tratativas com clientes (fonte do faturamento), fornecedores e provedores de capital, adiamento de projetos de que podem esperar e a contratação de dívida, se preciso for e com boa racionalidade, são opções a considerar seriamente. Proteger os cronogramas de receitas e equacionar os de desembolsos se torna crucial. Adicionalmente, também no espectro da priorização, a contribuição organizacional para a sociedade, definida na esfera dos PRINCÍPIOS, precisa ser considerada. Considerando a grande necessidade de ajuda a tantas pessoas, como a organização pode cooperar? É preciso refletir, já que parte dessas optará pela lógica da filantropia, enquanto que a outra parte procurará usar suas estruturas produtivas. Responsabilidade social e filantropia são distintas, mas neste momento, ambas as visões podem ser válidas, diante das grandes necessidades criadas pela crise COVID-19.

Já no que tange à COMUNICAÇÃO, a crise COVID, na visão dos executivos ouvidos, muda a dinâmica da comunicação de praxe entre o conselho de administração, o conselho fiscal e os executivos das organizações. Em um contexto de normalidade, tal comunicação se dá de modo disciplinado, consoante cronogramas de reuniões dessas e entre tais instâncias, com pautas bem definidas e elevado nível de formalização (o que é recomendável em um bom sistema de governança corporativa). Mas a crise exige uma dinâmica diversa,  que deve ser consistente com o momento, permitindo, de modo tempestivo, avaliações e decisões com mais eficácia. Aliás, essas reuniões devem contar também com a participação de profissionais que possam ajudar a tomada e a operacionalização de decisões, sejam estes profissionais da organização ou consultores externos.

Adicionalmente, a Alta Administração deve assegurar que a COMUNICAÇÃO seja também de boa qualidade com todos os públicos stakeholders. Em um momento em que os seres humanos estão altamente sensíveis a notícias e mudanças que possam impactar suas vidas, a comunicação com os stakeholders precisa receber grande atenção da cúpula organizacional, que deve orientar e acompanhar o que se comunica. A comunicação com stakeholders precisa ser cuidadosa, mas também tempestiva, já que em vários momentos, não será possível esperar, ou esperar demais. Ponto de grande atenção: é preciso orientar todas as lideranças da organização sobre o bom uso das redes sociais e sobre sua postura em grupos de pessoas criados nos aplicativos para dispositivos móveis e fixos: a palavra irrefletida expressa em um dado momento, que cause a impressão de falta de respeito à vida ou às boas práticas profissionais, poderá perseguir e assombrar líderes organizacionais por longo tempo. É preciso grande atenção e cuidado.

No curto e médio prazos, é possível que existam outros termos, além de PRINCÍPIOS, PRONTIDÃO, PRIORIZAÇÃO e COMUNICAÇÃO, para orientar os conselhos de administração, fiscais e as diretorias executivas – ou apenas estas, conforme o sistema de governo da organização –, no enfrentamento da crise COVID-19. Entretanto, esses quatro vocábulos já fornecem uma indicação muito interessante do que se torna necessário que para que as organizações possam enfrentar a tormenta. O esforço está longe de ser trivial e a travessia será crítica e muito laboriosa.

E quanto ao pensamento de longo prazo? Os executivos que ouvimos – e concordamos com eles – sugerem uma equipe designada para pensar, à parte, em paralelo, o que pode advir após a crise, sob orientação e acompanhamento da Alta Administração – aqui também em estado de prontidão. Sem perder de vista as providências que se considere a curto e médio prazos, é necessário também trabalhar pensando a organização do pós-crise. Como será o mundo pós-COVID-19? E aqui, uma pergunta se destaca como uma das mais importantes para os estrategistas organizacionais, segundo os executivos que ouvimos: como os clientes consumirão os produtos e serviços da organização em uma espécie de nova ordem, em um novo normal que desponta? Faz sentido perguntar e novos modelos de negócios podem ser esperados, não tenhamos dúvidas de que assim será.

CIDA HESS: Economista e contadora,especialista em finanças e estratégia. Mestre em Contábeis pela PUC/SP, doutoranda pela UNIP/SP. Atua como executiva e consultora de organizações.
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MÔNICA BRANDÃO: Engenheira, especialista em finanças. Mestre em Administração pela PUC/MINAS. Atua como executiva, conselheira de organizações e professora
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