A suspeita de uso de informação privilegiada em operações com papéis da Petrobras, em meio à crise entre o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e a estatal, colocam sob os holofotes um dos mais graves ilícitos do mercado de capitais. A comprovação dos casos é complexa, principalmente quando quem lucra com a informação vazada não é diretamente ligado à companhia. De 2008 a 2018, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) abriu 54 processos sancionadores contra 158 acusados de “insider trading” (o termo usado no mercado para informação privilegiada), resultando em 66 condenações administrativas, segundo levantamento da FGV Direito-SP. Na esfera criminal, houve apenas uma sentença condenatória definitiva no País.

Criminalizada em 2001, a conduta prevê pena de reclusão de 1 a 5 anos e multa de até três vezes o montante da vantagem obtida com o crime. Vinte anos depois, o Brasil teve apenas uma condenação definitiva – no caso da oferta da Sadia pela Perdigão – e nenhuma prisão. Em 2019, Eike Batista foi condenado a 8 anos e 7 meses de prisão, e a pagar multa de R$ 82,8 milhões, por insider com papéis da OSX, mas em primeira instância. Em 2017, os irmãos Joesley e Wesley Batista chegaram a ter prisão preventiva decretada pelo crime.

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Na esfera administrativa, a multa recorde aplicada pela CVM em um caso de insider foi de R$ 536,5 milhões, imposta a Eike Batista por negociar ações da OGX com base em informação privilegiada. A cifra corresponde a duas vezes e meia o valor das perdas evitadas pelo empresário com a operação. A segunda maior foi a pena de R$ 26,4 milhões ao banco suíço Credit Suisse, em 2010.

Na recente crise da Petrobras, tudo indica que a investigação da CVM terá como principal alvo uma operação atípica com opções de venda de ações da estatal no fim da tarde da quinta-feira, 18 de fevereiro, logo após a reunião entre Bolsonaro e um time de seis ministros no Palácio do Planalto para tratar de preços dos combustíveis e antes da live em que o presidente disse que “alguma coisa” aconteceria na petrolífera nos próximos dias.

Duas ordens de compra foram realizadas naquele dia: uma de 2,6 milhões de opções, às 17h35, e outra às 17h44, de 1,4 milhão de papéis, ambas com preço de R$ 0,04. A movimentação revelada pelo jornal O Globo e confirmada pelo Estadão/Broadcast a partir de dados da B3, a Bolsa de São Paulo, indica que um investidor pode ter lucrado R$ 18 milhões com as opções, negociadas em volume que só faria sentido se ele realmente acreditasse que as ações iriam cair ao menos 8% no pregão seguinte.

A hipótese mais provável, caso a infração se comprove, é de que a informação tenha vazado para um agente de mercado. A situação configura o chamado “insider” secundário, praticado por alguém sem ligação direta com a companhia e, por isso, de mais difícil comprovação. A Lei 13706/2017 criminalizou esse “insider” indireto, que pode envolver parentes de executivos, investidores, fundos e ex-administradores da empresa. Antes, apenas os “insiders” primários – que têm acesso à informação relevante na fonte e dever de sigilo, como diretores, conselheiros e controladores – podiam ser condenados pela Justiça.

Indícios

Como a obtenção de prova direta do ilícito de “insider trading” é praticamente impossível, sua comprovação pode ser feita com base em indícios, desde que eles sejam fortes, consistentes e convergentes. “São utilizados como parâmetro a atipicidade das operações, seu timing (em relação à divulgação da informação relevante) e os vínculos da pessoa que efetuou a negociação com pessoas que comprovada ou presumidamente tinham posse da informação relevante ainda não divulgada”, diz o advogado Carlos Martins Neto, sócio do Moreira Menezes, Martins Advogados.

O ex-diretor da CVM, Otavio Yazbek, afirma que não se pode descartar a possibilidade de a negociação de opções ter sido uma operação regular de “hedge” (proteção), mas diz haver indício forte no fato de que o lote comprado era muito grande. “Quando se toma risco, a lógica é não apostar todas as suas fichas”, diz.

Para supervisionar casos de insider, a CVM conta com a BSM, braço de supervisão da B3 que monitora e coleta informações relativas a transações suspeitas. Juntas, elas seguem o fluxo da informação no mercado e das operações realizadas. Também são utilizados programas de computadores especializados em identificar transações atípicas no mercado.

A jurisprudência da CVM diz que não é necessário demonstrar o meio de acesso à informação pelo “insider” secundário ou a cadeia de ligações pela qual o investidor obteve a informação privilegiada, valendo também a prova indiciária. Embora essa identificação da origem da informação não seja obrigatória, especialistas concordam que o ideal seria haver essa comprovação.

A advogada e ex-diretora da CVM Luciana Dias afirma que a criminalização do “insider” secundário abre espaço, em última instância, para o uso de mecanismos como pedidos de quebra de sigilo telefônico e de dados, além da possibilidade de atuação conjunta com o Ministério Público e a Polícia Federal. No caso específico da Petrobras, o melhor caminho para comprovar o trajeto da informação seria averiguar os participantes da reunião ministerial.

Levantamento sobre a punição desses casos feito pela professora da FGV Direito-SP Viviane Muller Prado mostra que, na maior parte dos processos, as penas aplicadas pela CVM e o Judiciário têm sido multa de duas a três vezes o ganho obtido pelo acusado. “Só uma parte dessas operações cai na peneira (do regulador), por isso, quando a CVM pega um ‘insider’, tem de punir com rigor”, diz Luciana Dias.

O mesmo parâmetro é usado na maior parte dos acordos firmados pela autarquia para resolver os casos sem julgamento, método que para Viviane, é válido sobretudo pela economia processual, embora com menor efeito simbólico. De 2008 a 2018, a CVM aceitou 50 propostas de termo de compromisso em casos de “insider”, no qual o acusado não assume culpa. Nesse mesmo período, 62 propostas foram rejeitadas.

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