Criminalizada em 2001, a conduta prevê pena de reclusão de 1 a 5 anos e multa de até três vezes o montante da vantagem obtida com o crime. Vinte anos depois, o Brasil teve apenas uma condenação definitiva – no caso da oferta da Sadia pela Perdigão – e nenhuma prisão. Em 2019, Eike Batista foi condenado a 8 anos e 7 meses de prisão, e a pagar multa de R$ 82,8 milhões, por insider com papéis da OSX, mas em primeira instância. Em 2017, os irmãos Joesley e Wesley Batista chegaram a ter prisão preventiva decretada pelo crime.
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Na esfera administrativa, a multa recorde aplicada pela CVM em um caso de insider foi de R$ 536,5 milhões, imposta a Eike Batista por negociar ações da OGX com base em informação privilegiada. A cifra corresponde a duas vezes e meia o valor das perdas evitadas pelo empresário com a operação. A segunda maior foi a pena de R$ 26,4 milhões ao banco suíço Credit Suisse, em 2010.
Na recente crise da Petrobras, tudo indica que a investigação da CVM terá como principal alvo uma operação atípica com opções de venda de ações da estatal no fim da tarde da quinta-feira, 18 de fevereiro, logo após a reunião entre Bolsonaro e um time de seis ministros no Palácio do Planalto para tratar de preços dos combustíveis e antes da live em que o presidente disse que “alguma coisa” aconteceria na petrolífera nos próximos dias.
Duas ordens de compra foram realizadas naquele dia: uma de 2,6 milhões de opções, às 17h35, e outra às 17h44, de 1,4 milhão de papéis, ambas com preço de R$ 0,04. A movimentação revelada pelo jornal O Globo e confirmada pelo Estadão/Broadcast a partir de dados da B3, a Bolsa de São Paulo, indica que um investidor pode ter lucrado R$ 18 milhões com as opções, negociadas em volume que só faria sentido se ele realmente acreditasse que as ações iriam cair ao menos 8% no pregão seguinte.
A hipótese mais provável, caso a infração se comprove, é de que a informação tenha vazado para um agente de mercado. A situação configura o chamado “insider” secundário, praticado por alguém sem ligação direta com a companhia e, por isso, de mais difícil comprovação. A Lei 13706/2017 criminalizou esse “insider” indireto, que pode envolver parentes de executivos, investidores, fundos e ex-administradores da empresa. Antes, apenas os “insiders” primários – que têm acesso à informação relevante na fonte e dever de sigilo, como diretores, conselheiros e controladores – podiam ser condenados pela Justiça.
Indícios
Como a obtenção de prova direta do ilícito de “insider trading” é praticamente impossível, sua comprovação pode ser feita com base em indícios, desde que eles sejam fortes, consistentes e convergentes. “São utilizados como parâmetro a atipicidade das operações, seu timing (em relação à divulgação da informação relevante) e os vínculos da pessoa que efetuou a negociação com pessoas que comprovada ou presumidamente tinham posse da informação relevante ainda não divulgada”, diz o advogado Carlos Martins Neto, sócio do Moreira Menezes, Martins Advogados.
O ex-diretor da CVM, Otavio Yazbek, afirma que não se pode descartar a possibilidade de a negociação de opções ter sido uma operação regular de “hedge” (proteção), mas diz haver indício forte no fato de que o lote comprado era muito grande. “Quando se toma risco, a lógica é não apostar todas as suas fichas”, diz.
Para supervisionar casos de insider, a CVM conta com a BSM, braço de supervisão da B3 que monitora e coleta informações relativas a transações suspeitas. Juntas, elas seguem o fluxo da informação no mercado e das operações realizadas. Também são utilizados programas de computadores especializados em identificar transações atípicas no mercado.
A jurisprudência da CVM diz que não é necessário demonstrar o meio de acesso à informação pelo “insider” secundário ou a cadeia de ligações pela qual o investidor obteve a informação privilegiada, valendo também a prova indiciária. Embora essa identificação da origem da informação não seja obrigatória, especialistas concordam que o ideal seria haver essa comprovação.
A advogada e ex-diretora da CVM Luciana Dias afirma que a criminalização do “insider” secundário abre espaço, em última instância, para o uso de mecanismos como pedidos de quebra de sigilo telefônico e de dados, além da possibilidade de atuação conjunta com o Ministério Público e a Polícia Federal. No caso específico da Petrobras, o melhor caminho para comprovar o trajeto da informação seria averiguar os participantes da reunião ministerial.
Levantamento sobre a punição desses casos feito pela professora da FGV Direito-SP Viviane Muller Prado mostra que, na maior parte dos processos, as penas aplicadas pela CVM e o Judiciário têm sido multa de duas a três vezes o ganho obtido pelo acusado. “Só uma parte dessas operações cai na peneira (do regulador), por isso, quando a CVM pega um ‘insider’, tem de punir com rigor”, diz Luciana Dias.
O mesmo parâmetro é usado na maior parte dos acordos firmados pela autarquia para resolver os casos sem julgamento, método que para Viviane, é válido sobretudo pela economia processual, embora com menor efeito simbólico. De 2008 a 2018, a CVM aceitou 50 propostas de termo de compromisso em casos de “insider”, no qual o acusado não assume culpa. Nesse mesmo período, 62 propostas foram rejeitadas.
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