Por Téo (Armindo dos Santos de Sousa Teodósio), Colunista de Plurale

Professor do Programa de Pós-Graduação em Administração da PUC Minas

Pensar o consumo e seus desdobramentos ou impactos sobre a vida em sociedade e o meio ambiente é um dos deveres da cidadania no século XXI, nesse novo milênio. Muitas pessoas, no dia a dia, afirmam se preocupar com o que chamam de consumismo, que entendem como a compra de produtos e serviços em excesso, ultrapassando o necessário para atender as necessidades de reprodução da vida e promovendo o uso crescente de recursos naturais, ou seja, promovendo a degradação ambiental. Porém, apenas denotar consciência sobre os impactos do consumo sobre o meio ambiente e a sociedade, apesar de ser uma condição importante, não é suficiente para a promoção do “Bem-Viver” e da sustentabilidade. É preciso alterar efetivamente hábitos de consumo e desenvolver uma posição crítica e ativa de participação no chamado pós-consumo, favorecendo a reciclagem e a economia circular. Isso envolve desde ações cotidianas de redução do consumo e cuidado com os resíduos do pós-consumo, como também a decisão de voto nas eleições e a participação e controle de políticas públicas a partir de valores da sustentabilidade aplicados ao consumo.

O primeiro passo é repensar o que é necessário consumir para reproduzir a vida em sociedade, incorporando a noção de que vivemos em sociedades, sobretudo a brasileira, marcadas pela desigualdade. Reduzir o consumo próprio em prol de que outras classes sociais, principalmente as populares, possam consumir é um dos primeiros passos em direção a uma contribuição mais vigorosa das pessoas para a promoção da sustentabilidade.

Outro passo é pensar no chamado pós-consumo, que envolve os resíduos gerados pelo consumo. É importante compreender quais materiais podem ser reciclados e como eles são destinados ou não a locais que promovem a reciclagem. No caso brasileiro, o ainda muito pouco que reciclamos se deve fundamentalmente às cooperativas de catadores de material reciclável. Somos o segundo país no mundo, atrás apenas do Japão, na reciclagem de alumínio e o primeiro na reciclagem de garrafas de pet por causa da atuação dos catadores de material reciclável.

A indústria, que gera produtos e serviços, e as empresas que atuam na gestão de resíduos sólidos ainda tem atuação tímida, conservadora, limitada e não efetiva em termos de contribuição para a ampliação da reciclagem e da economia circular no país. Prova disso é o risco de retorno dos processos de incineração, mesmo que o lobby de indústrias afirme ser de processos de recuperação de energia. Um grave retrocesso que ameaça a ampliação da reciclagem no país. Em vários países do mundo, inclusive em alguns estados brasileiros, como Minas Gerais, processos de incineração de resíduos são proibidos pelos graves danos ambientais que provocam. Não adianta desenvolver uma postura positiva em relação ao consumo e à reciclagem sem se posicionar efetivamente contra o retorno dos projetos de incineração e sua consequente precarização das cooperativas de catadores na cadeia de logística reversa e reciclagem no país.

Passos adicionais envolvem apoiar a chamada reciclagem popular e solidária, que promove a inclusão de pessoas de classes populares na cadeia de valor da reciclagem. Cooperativas de catadores de material reciclável são um patrimônio ambiental de todas as cidades e sociedades. Merecem nosso apoio e convívio cotidiano, visto que ainda perduram em nossa sociedade visões extremamente preconceituosas, racistas e antidemocráticas, que incorrem na fragilização do trabalho dos catadores na coleta de materiais recicláveis nos espaços urbanos. Catadores de materiais recicláveis são agentes ambientais urbanos, prestando um trabalho qualificado, pois entendem muito sobre a natureza dos materiais a serem reciclados, e merecendo melhores condições de remuneração e trabalho pelo serviço que prestam à nossa sociedade. Mas, infelizmente, vários de nossos governantes, sobretudo prefeitos, não promovem políticas de suporte às cooperativas de catadores, e até chegam a implementar intervenções urbanas, em nome de limpar a cidade, que acabam inviabilizando o trabalho dos catadores na coleta de resíduos sólidos urbanos.

Além disso, é necessário acompanhar as deliberações sobre políticas públicas e tomar decisões de voto em eleições baseadas na promoção de ideias e propostas mais consistentes em termos de sustentabilidade no campo do consumo. Para vários pesquisadores, nos aproximamos rapidamente de um ponto no qual não será possível a reversão dos danos ambientais que tem ocorrido ao longo dos séculos, promovidos pelo nosso modo de vida, produção e consumo. Ainda há possibilidades de reversão desse quadro, porém, com a ascensão ao poder de negacionistas da Crise Climática, com o questionamento de dados científicos e evidências claras de degradação ambiental e a omissão de muitas lideranças sociais, políticas e culturais quanto aos problemas ambientais que se somam, corremos o risco, como civilização, de não promovermos as transformações necessárias para a garantia da sobrevivência humana no planeta Terra. Ou transformamos nossa consciência sobre os problemas ambientais em ações efetivas, tanto no âmbito dos Estados, quantos dos mercados e da sociedade civil em ações mais consistentes, perenes e decisivas para a promoção da sustentabilidade ou corremos o risco de desaparecer como civilização, levando conosco outra sorte de espécies do planeta.

Nenhuma ação social e mudança consistentes em direção à sustentabilidade pode ser atingida apenas com grandes propostas e intervenções promovidas por governos e por atores de mercado (corporações, grandes empresas, etc.). É essencial a participação ativa dos cidadãos e também o envolvimento de outros atores sociais, como movimentos sociais e ambientais, pequenas e médias empresas, e o próprio indivíduo no seu cotidiano em prol da promoção da sustentabilidade. A contribuição individual e cotidiana se soma a mudança estrutural promovida por governos e atores com poder econômico, político e cultural. E essas mudanças estruturais só se transformam em realidade quando apoiadas no cotidiano pelas ações de cada indivíduo. No campo do consumo, do pós-consumo, da reciclagem e da economia circular, isso significa que governos precisam de mais e melhores políticas de regulação do consumo e do pós-consumo, que a indústria precisa de mais e melhores práticas e estratégias de redução de insumos para a produção e reinserção de resíduos na economia circular, que movimentos sociais e ambientais em conjunto com cooperativas de catadores precisam ampliar a reciclagem popular e solidária, e que o cidadão precisa repensar seu consumo e destinar adequadamente todos os resíduos derivados de seu consumo. Macro e micro se somam e são mutuamente dependentes. Não há solução apenas no nível macro, nem tampouco no nível micro apenas.

Apesar dos graves problemas que vivemos e dos retrocessos das políticas ambientais e da emergência de discursos que questionam a sustentabilidade e as evidências científicas que verificamos atualmente, principalmente no contexto brasileiro, mantenho-me otimista. A sustentabilidade será promovida pelas gerações futuras. Tenho 52 anos de idade e é evidente para mim que a minha geração e as que me antecederam não conseguiram deixar o planeta com melhor qualidade ambiental para as gerações que se seguiram. Porém, hoje há exemplos muito inspiradores de jovens em todo o mundo pensando a partir de inovações disruptivas sobre a forma como produzimos, consumimos e vivemos em sociedade, que nos inspiram. Além disso, como professor que leciona disciplinas de sustentabilidade não posso fugir de meu dever profissional de construir uma relação de amorosidade para com os alunos, a partir da noção da educação que Paulo Freire nos deixou, na qual a esperança é elemento essencial. Cultivar a esperança não é ser ingênuo ou utópico, é apenas não esmorecer na luta ambiental e social que ainda precisamos fortalecer mais ainda nessa caminhada em direção ao futuro e à sustentabilidade.