Um dos temas mais importantes que deve ser objeto das preocupações do comando de uma empresa é a sua gestão tributária, parte muito relevante das gestões financeira e de riscos. Vários riscos podem estar ligados à esfera tributária e o primeiro da lista, especialmente em momento de pandemia Covid-19, diz respeito a possíveis mudanças criadas pelos Poderes Executivo e Legislativo na esfera tributária. E neste momento, o Brasil tem uma Reforma Tributária a discutir, com projetos gerados na órbita dos Poderes Legislativo e Executivo. No instante em que o País assiste à apresentação da proposta de uma Reforma Administrativa pelo Executivo para discussão no Legislativo, uma outra Reforma, relacionada aos tributos, aguarda discussões trepidantes nessas esferas, com emoções à vista.

No âmbito da Câmara dos Deputados, existe a PEC 45/2019 que, se aprovada, extinguiria cinco tributos: o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), o Programa de Integração Social (PIS), a Contribuição sobre Fins Sociais (Cofins), o Imposto sobre Serviços (ISS) e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Já no Senado Federal, tem tramitado a PEC 110/2019, também com uma proposta de eliminação desses tributos. Em ambos os casos, os tributos eliminados seriam substituídos pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), com receita compartilhada entre a União, os Estados e os Municípios.

As PEC´s 45/2019 e 110/2019, que não são aqui detalhadas, têm outras propostas em seu contexto e apresentam semelhanças e diferenças entre si; a simplificação tributária é uma das mais relevantes similaridades. Ponto de atenção: o PIS, a Cofins e o IPI são tributos de competência da União, o ICMS, dos Estados, e o ISS, dos Municípios. No mês de fevereiro, Senado e Câmara Federal criaram uma comissão mista para buscar a unificação das duas propostas, o que, em algum momento, seria necessário e, aliás, era previsível.

O Poder Executivo, por seu turno, também tem sua visão sobre a Reforma Tributária e o ministro da Economia Paulo Guedes, encaminhou, em 21/7, ao Congresso Nacional, por meio dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM/RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM/AP), a proposta da primeira fase de uma Reforma Tributária com a chancela do governo federal – o PL 3.887/2020. A proposta do Ministério da Economia é mais restrita do que aquelas previstas nas PEC´s do Legislativo, recomendando apenas a eliminação do PIS e da Cofins, que seriam substituídos por uma Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), com alíquota única de 12% sobre a receita bruta de cada operação.

A proposta do governo federal, que no dia 4/9 perdeu seu caráter de urgente, por decisão do presidente Jair Bolsonaro, teria deixado, para uma segunda fase, questões mais polêmicas. Como por exemplo, as discussões sobre o ICMS (tributo caro aos Estados), a tributação de dividendos pagos a acionistas de empresas (inexistente no momento atual) e eventuais mudanças no Imposto de Renda (que sempre causam grande celeuma). O ministro Guedes ainda sinalizou seu apoio à criação de um imposto sobre pagamentos eletrônicos e vendas por meio da internet, o qual tem sido sistematicamente considerado uma espécie de nova Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira – CPMF. O assunto é polêmico e há resistência por parte de parlamentares em relação a esse tributo.

Não resta dúvida que uma Reforma Tributária no Brasil é absolutamente necessária. A verdade, conforme tem reconhecido em entrevistas o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, é que a lógica tributária do Brasil é injusta. A lógica em questão onera de forma inversa a pirâmide social do nosso País, já que os cidadãos humildes não conseguem defender suas parcas rendas de elevados tributos cobrados em serviços e produtos. Além disso, há várias dezenas de tributos em território nacional (com significativas discrepâncias de contagens), o que torna os processos de arrecadar e pagar tributos mais complexos do que o razoável. Adicionalmente, diferenças de alíquotas tributárias (ICMS) criam disputas entre estados, as guerras fiscais, que não beneficiam o desenvolvimento equilibrado da economia nacional. E há outros inconvenientes a considerar, sobre os quais não nos deteremos aqui.

Ao mesmo tempo, a discussão de uma Reforma Tributária entre os Poderes Executivo e Legislativo é espinhosa, pois há uma formidável massa monetária em jogo e espera-se que a União, os Estados e os Municípios procurem assegurar para si o maior quinhão possível. Ademais, há que considerar as pressões dos demais interessados e a assimetria de influências sobre as decisões dos legisladores. Adicionalmente, uma discussão de Reforma Tributária não é apenas de ordem econômica, sendo também de natureza política e afetando em profundidade o ordenamento jurídico. Requer várias cabeças pensantes, não apenas especialistas em Economia. Dada essa natureza tríplice, podemos afirmar que os políticos – há quem defenda que a esfera política é mais crítica –, os economistas e os juristas são públicos essenciais às discussões sobre a Reforma Tributária; aliás, sobre qualquer Reforma Tributária pretendida em países com sistemas políticos democráticos e complexos, incluindo o Brasil.  

Em um mundo ideal, uma Reforma Tributária seria feita com visão sistêmica e buscando equacionar as necessidades supracitadas, criando maior equilíbrio entre justas demandas. Entretanto, no mundo real, os interesses dos vários players afetados pelas mudanças terminam por impactar a agenda de discussão das novas disposições legais. É o que ora ocorre, por exemplo, com a proposta menos ambiciosa apresentada pelo Ministério da Economia em relação às PEC´s 45/2019 (Câmara dos Deputados) e 110/2019 (Senado), que adia discussões difíceis e tensas. A mudança do caráter de urgência do PL 3.887/2020, por orientação do presidente Jair Bolsonaro, é outro exemplo que ilustra como uma agenda pode mudar de status, com base na percepção sobre o quadro político do momento e o que pode ser mais prático para o momento.

Como se não bastasse a complexidade e as tensões já inerentes à discussão de uma Reforma Tributária, em momento de crise Covid-19, as dificuldades podem aumentar. A crise é uma nova variável que pode tornar o desafio de reformar a lógica tributária ainda mais complexa. Medidas paliativas foram tomadas pelo governo federal para o enfrentamento da pandemia, tais como: auxílio a Estados e Municípios, adoção de alíquota nula para o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) incidente nos empréstimos, redução de 50% de contribuições previdenciárias a terceiros (Sesi, Senai e outros), redução do IPI sobre produtos associados ao combate da pandemia e a postergação e o adiamento de vários impostos para empresas, como PIS, COFINS e INSS (além do FGTS).

Além das medidas tomadas pelo governo federal, estados e municípios prorrogaram pagamentos de ICMS e ISS, mas apenas para empresas enquadradas no Simples Nacional, diante do temor da queda de arrecadação. Ocorre que medidas contingenciais não reformam um sistema complexo e a crise Covid-19 ora expõe, de forma inequívoca as desigualdades sociais ao redor do Planeta. E talvez essa crise, ainda em curso e criando muitos óbitos, exija maior participação dos agentes econômicos com maior nível de renda na arrecadação de tributos, e isso não vale apenas para o Brasil, país com grande desigualdade social.

É fundamental reforçar que a celeuma tributária não é privativa do nosso País. Há alguns anos, o bilionário investidor Warren Buffett defendeu que os muito ricos dos EUA pagassem mais impostos. Em um artigo denominado Stop coddling the super-rich (Parem de mimar os super-ricos, 14/8/2011), publicado no jornal The New York Times, Buffet iniciou dizendo: “nossos líderes pediram um sacrifício coletivo. Mas quando eles pediram isso, me pouparam. Eu conferi com meus amigos super-ricos e eles também não foram afetados”. O ex-presidente Barack Obama chegou a propor a criação de um Buffet Rule (Regra Buffet) sobre a renda de estadunidenses com maior poder aquisitivo. O assunto gerou substancial polêmica e debates sobre os efeitos que a medida criaria sobre os investimentos e a criação de empregos. E de fato, a polêmica é compreensível e baseada em argumentos interessantes das várias vertentes de pensamento, lembrando que nos EUA existe, além do imposto de renda, tributação sobre dividendos.

Voltando ao Brasil: segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em sua Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – PNAD Contínua (2019), 1% da população tem renda mensal superior a R$ 28 mil, 5% tem renda superior a R$ 10 mil e mais de 50% dos brasileiros vivem com pouco mais de um salário mínimo. Diante de um quadro dessa natureza, tão desigual, faz sentido manter uma lógica tributária injusta sem nada mudar? Há uma Reforma Tributária a ser discutida pelos Poderes Legislativo e Executivo; como esses Poderes organizarão as discussões para chegarem a uma proposta de Reforma que leve em conta o que realmente precisaria ser feito, à luz da realidade exposta pela crise Covid-19? Ou a Reforma se limitará à simplificação tributária? Ao mesmo tempo, como criar mais justiça tributária sem inibir investimentos, sem produzir mais mal do que o bem que se pretenda produzir? Como se percebe, a questão está longe de ser trivial.

E quanto às empresas e suas responsabilidades? A nosso ver, seus líderes necessitam ficar atentos. O recolhimento de tributos pode ser simplificado, em maior ou menor medida, mas, eles, os tributos, podem crescer – o risco disse ocorrer não deve ser desconsiderado – e é preciso preparação para tal possibilidade, com responsabilidade em relação às obrigações fiscais e ao fluxo de caixa (lembrando a máxima de finanças corporativas: cash is king). Várias razões podem levar empresas ao não recolhimento de tributos e destacamos aqui as deficiências de análise das transações de negócios que uma organização empresarial pode ter – a carência do bom planejamento tributário, baseado nas regras legais. Analisar bem um projeto de criação ou expansão de negócios sem considerar, de forma tecnicamente bem fundamentada, quais tributos deverão ser pagos, cria a possibilidade de penalizações nas esferas administrativa e/ou judicial. Riscos tributários podem inibir ou mesmo destruir a performance dos mais virtuosos planos empresariais.

Outro aspecto a ser considerado pelas empresas que operam no Brasil é o acompanhamento de votações sobre matérias tributárias no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF). A agenda dessa Corte nas últimas semanas tem sido movimentada na seara tributária, e é importante que os contribuintes atentem aos seus direitos. Parte dos contribuintes somente poderá restituir ou compensar tributos por eles pagos indevidamente se ingressarem com ação judicial até o momento de um dado julgamento. Assim, acompanhamento e planejamento de ações, e não apenas com foco de longo prazo, são muito importantes.

Por fim, no que concerne aos administradores brasileiros, é fundamental destacar que eles estão sujeitos à legislação e à regulamentação do Brasil que respeita a probidade administrativa. No caso de sociedades anônimas, especificamente, nos termos da Lei das Sociedades por Ações (6.404, de 15/12/76 e suas revisões), administradores podem responder judicialmente a decisões enquadráveis como improbidade. Medidas específicas de governança corporativa podem ser adotadas para prevenir riscos administrativos no nível da cúpula das organizações, mas espera-se que executivos não desejem enfrentar situações constrangedoras. Assim, é fundamental que os conselhos de administração e fiscais e as diretorias executivas, em suas esferas de atuação, façam um ótimo trabalho, tornando as empresas mais atentas ao tema tributos e, portanto, mais seguras e menos arriscadas para os sócios e demais stakeholders que delas dependem.

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