Depois da anulação do leilão para compra de quase 300 mil toneladas de arroz importado na semana passada por irregularidade, o edital do novo processo deve sair em até dez dias, disse nesta quarta-feira (12) o ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira.  O Acionista procurou alguns especialistas para falar sobre esta importação que o governo federal pretende fazer com o objetivo de evitar a falta do produto e o aumento do preço. No entanto, muitos produtores estão contra essa política, pois garantem que não faltará arroz no país.

Para Stefan Barradas Podsclan, consultor de Grãos e Projetos na Agrifatto, a compra é “desnecessária e interventiva sob o ponto fundamental sob o impacto real das perdas divulgadas no balanço de oferta e demanda de arroz do Brasil, divulgado pela Conab, e da dinâmica natural do mercado. Outros interesses de cunho político/eleitoral também podem ser considerados, principalmente pelo fato do arroz ser um alimento básico que está na mesa do brasileiro diariamente”.

Em relação à anulação do leilão realizado no último dia 6, Podsclan diz que é um imbróglio que “evidencia a fragilidade sobre questões de compliance e fragilidade das garantias que o governo adotou no leilão, ressaltando que aparentemente não houve critérios definidos e pré-estabelecidos para as empresas participarem do leilão”.

De acordo com o consultor, isso fica claro quando é avaliado o perfil das empresas que arremataram, “destacando a capacidade técnica e atributos financeiros delas que foram expostos após a conclusão do leilão”. A Agrifatto reforça que a compra é desnecessária e interventiva, “que pode apontar interesses ocultos”.

Camil (CAML3) e o impacto do leilão

Segundo os dados da Conab, a quantidade total de arroz importado que o governo planeja subsidiar nesse leilão seria equivalente a cerca de 3% do consumo de arroz no Brasil, que é estimado em 10 milhões de toneladas anuais. Para Alex Falararo*, gerente de Research do PagBank, essa porcentagem seria suficiente apenas para cerca de 10 dias da demanda interna, “o que em nossa visão sensibiliza pouco o mercado como um todo”.

Na bolsa, dentre as principais empresas, a única que possui participação significativa no mercado de arroz é a Camil (CAML3). No seu 1T24, a empresa reportou um volume de vendas de arroz em torno de 740 mil toneladas (2022/2023), ou seja, o volume importado pelo governo pode até competir com a oferta da empresa.

Os analistas fundamentalistas da PagBank conversaram com a Camil e com base nas informações disponíveis até o momento, “o impacto na empresa será dependente das regiões onde haverá a distribuição do produto, que chegaria com um preço cerca de 30% abaixo dos preços de mercado atuais”, comenta Falararo. 

“Em termos concorrenciais, parte dos consumidores da Camil poderiam testar o produto importado, mas acreditamos que os consumidores da linha principal da empresa continuarão fiéis aos seus produtos retornando em seguida devido à qualidade e à sua posição consolidada no mercado. Outro ponto a considerar é que, apesar da recente volatilidade, o preço do arroz permanece em um patamar elevado, o que ajuda a empresa a manter suas margens e essa inserção do governo parece que irá “ferir” pouco essa dinâmica.”

Para o gerente de Research do PagBank, o governo está usando essa ação de importação da commodity para mostrar mais do seu viés social, “mas independente da continuidade e legitimidade desses leilões, é sempre arriscado quando um governo faz intervenção nos preços de mercado”.

Em relação ao consumidor, ele entende que é uma ação defensiva em relação à inflação dado que houve uma perda estimada em 1 milhão de toneladas de arroz com a catástrofe do Rio Grande do Sul, cerca de 15% do estado ou 10% do consumo anual. 

“Aqui o governo transmite um sinal preocupante por arriscar desestabilizar os preços no médio prazo, pois seguraria os preços artificialmente nesse momento, o que deixaria a base de cálculo da inflação mais baixa daqui há algum tempo quando os preços voltassem à relação de oferta e demanda.”

(*As opiniões emitidas são de responsabilidade exclusiva do analista certificado. O PagBank não tem qualquer responsabilidade por tais opiniões)

Mercado vê com cautela, diz Multiplike

De acordo com Volnei  Eyng, CEO da Gestora Multiplike, o mercado vê esse leilão com bastante cautela, “e essa situação tem ajudado nos ruídos das últimas semanas, provocando um estresse em relação ao governo. Esse foi mais um ruído que ajudou a atrapalhar a imagem do governo nas últimas semanas.”

Segundo Eyng, o impacto para as empresas do agro listadas na B3, a princípio, é pequeno, mas se houver, com certeza será negativo. “Sempre que há interferência estatal no mercado, acaba sendo ruim, e o mercado vê com maus olhos, até porque foi uma medida tomada no calor do momento, estes leilões de arroz, sem levar em consideração que a colheita do RS já estava concluída e que o Brasil não tinha necessidade de comprar”, comenta.

O que pode acontecer?

Essa política pode trazer consequências no mercado entre fornecedores de insumos agrícolas, fornecedores de fertilizantes, fornecedores de máquinas e para o próprio produtor rural que já tinha colhido e armazenado nos silos das empresas que trabalham com arroz, e que ainda não tinham vendido, segundo o CEO da Multiplike. “Então, esse leilão pode provocar um desequilíbrio de preços e essa interferência, no momento, o mercado vê com maus olhos.”

Além disso, ele diz que essa iniciativa tem um custo para o governo, mesmo que bastante reduzido. “É uma interferência que pode abrir margem para começar a interferir em outros preços, o que sempre acaba atrapalhando o mercado. E com certeza, o controle estatal às vezes é necessário quando o mercado está desregulado, mas não era o caso, pois a situação já estava pacificada com a colheita do arroz já feita.”

(Com informações Agência Brasil; colaborou Márcia Sobotyk)

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