(*) Roberto Gonzalez
Fala-se muito em governança corporativa como forma de definir a estratégia e manter a boa gestão de uma empresa e em inovação como ferramenta para tornar uma companhia mais ágil e eficiente. A inovação é importante para a governança de um ambiente empresarial, porém, não raramente ela seja confundida com a simples digitalização dos processos. E não é por aí. Nada funciona corretamente se a aplicação não atender a determinados conceitos.
Vou usar como exemplo alguns fatos comuns na área de saúde, mas que ocorrem em outros setores de atividades. Um deles é o uso de WhatsApp para marcação de consultas. O paciente telefona e uma gravação informa que é mais rápido e simples agendar pelo WhatsApp. O número é informado, o cliente anota, e até gosta da ideia de usar a rede social. Depois de responder algumas questões o chatbot informa que irá passar o atendimento a um atendente “real” para finalizar o processo. Uma hora depois, o paciente se dá conta de que o “atendente real” não virá concluir o processo. Resultado, volta-se ao telefone, desta vez com certa irritação.
Outro problema. O convênio médico cria um aplicativo onde é possível agendar consultas e exames de todos os tipos. O paciente vai a uma consulta e o médico – vamos fazer de conta que era um oftalmologista – pede para fazer um mapeamento de retina. Ao entrar no aplicativo, o beneficiário do plano não encontra o termo mapeamento de retina em lugar algum. Ele se vê obrigado a telefonar para uma central. Depois de esperar bastante na linha – felizmente existe viva-voz nos celulares, o que facilita a espera – ele finalmente é informado do local que faz o procedimento para então telefonar para a clínica e finalmente agendar.
Percebem que a digitalização, nesses casos, não serviu para nada. E pior, da forma como está, ao invés de fortalecer o modelo de governança corporativa, ela faz o contrário, ou seja, mostra que se há algo faltando naquela companhia é justamente governança. Vamos lá: a boa governança e a inovação têm como função tornar a empresa mais eficiente, reduzindo a burocracia e tornando mais fácil a jornada tanto dos clientes quanto dos funcionários. O lucro e a boa saúde financeira são consequências disso.
Não adianta criar aplicativo ou usar redes sociais se no final das contas será preciso o auxílio do “bom e velho” telefone para concluir qualquer processo de atendimento. Nesses casos citados, a tecnologia pouco ou nada ajudou. Mas isso acontece porque o mais importante não é feito. Falo aqui da mudança cultural da empresa, do Chairman, ao ajudante de limpeza. Se não houver um bom treinamento para que todo o time aprenda a trabalhar dentro do novo conceito, nada funcionará porque as pessoas ficarão presas às formas antigas de trabalho.
Os casos citados acima são mais comuns do que se pensa e acontecem porque os próprios gestores não sabem muito bem como usar a tecnologia. Digitalizar não é trocar a ficha preenchida à mão por outra que sai de uma impressora. Se fosse isso, a substituição da forma manual pelo computador serviria apenas para aumentar custos, pois da mesma forma seria gasto uma fortuna com formulário em diversas vias. Uma mudança que não muda nada, só deixa o ambiente mais bonito e caro.
A inovação elimina etapas. Consequentemente, reduz custos. Então, por que a inovação tem sido tão mal implantada nas empresas? Como já foi comentado, o problema está na cultura. Pesquisas indicam que a maioria dos CEOs tem consciência da importância da inovação e da governança para o futuro das empresas que administram. No entanto, boa parte desses executivos não sabem exatamente como implantá-la. Eles próprios sofrem com questões culturais, estão presos ao passado e só conseguem enxergar o óbvio ao implantar ferramentas digitais.
A primeira coisa a ser feita é compreender o terreno que será pisado. Em outras palavras, observar o impacto que a mudança tecnológica terá no negócio. Ao iniciar a implantação é necessário treinar, técnica e psicologicamente os colaboradores, mudar a maneira como eles enxergam tudo. E, claro, tudo deve ser feito com o objetivo de melhorar a experiência do cliente, dos fornecedores e facilitar o dia a dia da força de trabalho. A eliminação de etapas contribui para isso.
A transformação digital é um caminho que precisa de direcionamento e rigidez no controle do processo. Se a companhia em questão já adotou um modelo de governança corporativa e atua com base nele, já terá dado o primeiro passo para uma implantação mais tranquila e assertiva das ferramentas de inovação.
Aliás, nesse momento, os processos inovadores vão depender muito mais da governança para serem bem implantados do que o contrário. Depois, os executivos perceberão que manter a gestão dentro do modelo de governança é muito mais simples e fácil quando a inovação é trazida da forma correta, com as ferramentas certas e mudança cultural. Por fim, a inovação não termina nunca. Trata-se de um processo evolutivo constante.
(*) Roberto Gonzalez é consultor de governança corporativa e ESG e conselheiro independente de empresas. É autor do livro “Governança Corporativa – O Poder de Transformação das Empresas”